Tem adulto que acredita em tudo, mas as crianças da era digital, com acesso fácil às mais variadas informações, já não se deixam convencer facilmente por narrativas fantasiosas. Outro dia uma conhecida minha, questionada pelo filho de quatro anos sobre o sempre delicado tema da maternidade, nem pensou em apelar para a velha e hipócrita história da cegonha. Resolveu dizer a verdade, ainda que com o clássico eufemismo:
— O papai botou uma sementinha na barriga da mãe, a barriga cresceu e você saiu dessa sementinha.
O menino ficou quieto por alguns segundos enquanto fazia uma associação de ideias, possivelmente lembrando de alguma advertência que ouviu antes de comer bergamota. E lascou:
— Mãe, tu me engoliu?
Entre a verdade e a mentira, sempre deve haver algum espaço para a fantasia no trato com os habitantes da primeira infância.
Veja-se, por exemplo, o que ocorre numa antevéspera de Páscoa como a atual. Ainda que possa soar quase ofensivo para os coelhos dizer às crianças que animais mamíferos botam ovos de chocolate, eles certamente aprovariam, se fossem questionados e tivessem discernimento para responder, o ritual de seguir as pegadinhas até o ninho semiescondido. É divertido, os pequenos adoram e funciona como um exercício de integração familiar. Quando a inocência se esvai e as crianças descobrem que o coelhinho da quimera não existe, basta explicar a elas que a lenda foi criada para encantá-las, como as histórias de fadas e os desenhos animados. Ficção não é mentira, explica o romancista pernambucano Raimundo Carrero.
É apenas outra realidade.
Porém, muitas vezes, a realidade revela-se mais fantástica do que a ficção. Agora mesmo, noticia-se que alguns cidadãos, todos adultos, estão caindo no golpe do chocolate de Páscoa. As pessoas recebem mensagens de celular dizendo que foram contempladas com cestas enviadas por marcas famosas. Para receber o presente, basta ao premiado pagar pelo frete ao entregador, que invariavelmente leva uma maquininha preparada para clonar cartões ou apenas lança um valor muito maior do que o custo do produto sem que a vítima perceba.
Nem todas as mentirinhas de Páscoa são inocentes. E chocolate superfaturado pode ser mais difícil de engolir do que semente de bergamota.