Fiquei muito impressionado quando li O Senhor das Moscas, do britânico William Golding, que chegou a ganhar o Nobel de Literatura. Na época, lá pelos anos 1970, o livro realmente me incomodou. Resumo da história: meninos entre seis e 13 anos sofrem um acidente aéreo e veem-se obrigados a sobreviver, sozinhos, numa ilha deserta. O que prometia ser uma aventura de descobertas e heroísmos transforma-se numa disputa selvagem e sanguinária pelo poder entre os garotos. Conclusão apressada: o homem é mau por natureza.
Também fiquei impressionado, mais recentemente, quando li Humanidade, do holandês Rutger Bregman, que escreveu uma história otimista da nossa espécie. O livro é uma seleção de fatos, investigados e documentados, que evidenciam a vocação humana para a solidariedade, para a cooperação e para a fraternidade. Entre outros registros instigantes, ele desmonta a história contada por Golding em O Senhor das Moscas. Conclusão, talvez igualmente precipitada: o homem é bom por natureza.
São leituras imperdíveis. Não digo obrigatórias porque o termo tem uma certa conotação autoritária – e o confronto dos dois relatos é exatamente uma grande oportunidade para o leitor refletir sobre democracia e autoritarismo. O livro de Bregman não se restringe à desconstrução da obra de seu colega britânico já falecido, a quem ele não poupa críticas, mas seu contraponto à ficção dos meninos ilhados é demolidor. O holandês descobriu um episódio real em que adolescentes ficaram sozinhos numa ilha de Tonga por mais de um ano até chegar o resgate – e os meninos de verdade comportaram-se exemplarmente, colaboraram entre si e alguns até se tornaram amigos para sempre.
A realidade, no caso, revelou-se bem mais animadora do que a ficção. Críticos mais condescendentes lembram que Goldman escreveu o seu romance depois da Segunda Guerra Mundial, influenciado pelas atrocidades do nazismo, pela transformação do socialismo soviético em ditadura e pelas bombas atômicas lançadas sobre o Japão. Tinha, portanto, motivos suficientes para o pessimismo que passou em sua obra. Mas também não se pode ignorar que Bregman também selecionou apenas episódios favoráveis à sua tese de que a humanidade é cooperativa, solidárias e bem-intencionada.
Minha conclusão dessas duas leituras que recomendo na mesma sequência que li: não creio que nascemos condenados à maldade da ficção nem ao altruísmo dos casos selecionados. A escolha sempre será nossa.