Tem gente que recebe bem, tem gente que considera uma ideia macabra, mas a verdade é que a inteligência artificial já permite conversas verossímeis entre pessoas vivas e mortas. Na China e nos Estados Unidos – e certamente em outros países avançados na tecnologia –, basta fornecer algumas gravações de voz e imagens dos falecidos para empresas especializadas que logo elas criam um avatar capaz de dialogar com familiares saudosos.
E não são apenas respostas prontas. Depois de captar timbre, entonação e sotaque do falecido, o robô (algoritmo, chatbot ou seja lá como se chame o fantasma virtual) é capaz de criar falas adequadas para os questionamentos propostos, inclusive coisas que o titular representado nunca disse. Assim como o ChatGPT faz com os textos, o avatar do finado pode identificar o momento de fazer piada, dar conselho, contar uma história e até mesmo cantar uma canção.
É desconcertante esse jogo de duplo sentido. Se a coisa se popularizar, os mortos não terão mais sossego. Eu mesmo conheço uma viúva que foi muito maltratada pelo marido no casamento e que até hoje lamenta não ter devolvido o suficiente em vida. Imagino o que ela não fará com o avatar do extinto, se tiver oportunidade.
Mas o mais provável é que nesse novo momento da humanidade prevaleçam os diálogos de saudade. Aqueles que nunca disseram às pessoas queridas o quanto as amavam, aqueles que não pediram perdão por erros cometidos, os que não conseguiram se despedir da maneira como gostariam, todos esses terão agora uma segunda chance.
Ou múltiplas chances, pois os falecidos transformados em avatar poderão ser convocados sempre que o parente saudoso tiver vontade de conversar. E o mais perturbador para nossos cérebros ainda um tanto analógicos é que os mortos podem falar com várias pessoas vivas ao mesmo tempo, mesmo estando em lugares diferentes. Com alguns cliques – e o devido pagamento para uma dessas empresas de “Live Forever” –, o avatar de plantão se materializa, sem a necessidade de qualquer ritual mediúnico. Essa tal inteligência artificial ainda vai nos deixar todos malucos.
Falar com os mortos sempre foi uma ambição do ser humano. Livros, filmes, novelas e peças teatrais já trataram muitas vezes desse tema, alguns com graça e ternura, outros com aquela ponta de terror que a morte sempre desperta. Agora é mais real do que nunca. Preparemo-nos.