Primeiro foi um cão preto que resolveu me acompanhar na caminhada matinal. Não é a primeira vez que isso ocorre. E sempre que acontece de um desses animais desgarrados me adotar como companhia, passo pelo constrangimento de estar passeando com um pet sem guia diante do olhar inquisitório de outros tutores. Às vezes sinto vontade de responder aos que me encaram com ar de contrariedade:
— Não é meu! Nunca vi esse bicho!
Mas me contenho, pensando que o animal talvez tenha simpatizado comigo e que seria indelicado magoá-lo com uma rejeição tão declarada. Ainda assim, confesso, de vez em quando apresso o passo ou me escondo atrás de algum poste na esperança de que ele se enrabiche em outro caminhante.
Com meu acompanhante desta semana até que não foi muito difícil: aproveitei o momento em que ele se distraiu perseguindo pássaros para atravessar a rua e retornar.
Depois disso, uma borboleta deu dois rasantes na minha frente e dançou sobre minha cabeça por alguns metros do calçadão. Foi um breve encontro, mas o suficiente para que eu pudesse observar suas asas amarelas com traços negros — o que a caracteriza, segundo interpretações esotéricas de conhecedores de insetos, como símbolo de alegria, felicidade, esperança e mudanças positivas. No lo creo, mas me serve para este momento em que todos estamos carentes de bons presságios.
Por fim, quando já me preparava para escrever esse texto no meu gabinete de trabalho, um grilo saltou no meu colo e ficou observando a tela do computador por alguns instantes. Ainda bem que não era o grilo falante da história de Pinóquio. Não que eu estivesse mentindo. Meu temor era outro: o bicho poderia ter algum posicionamento político e me achar alienado por estar escrevendo sobre amenidades enquanto o país debate a PEC da Transição e o ataque da Seleção.
Pelo sim, pelo não, tratei de recolher o bichinho com uma folha de papel e levei-o para o jardim, antes que a gata da casa se desse conta da atração saltitante.
Alienação? Pode ser, mas, neste momento de tantas incompreensões entre humanos de todas as querências, não custa dedicar um pouco de atenção a criaturas que desconhecem o ódio, a ganância e a ambição — e que se preocupam apenas em executar os movimentos da vida.