Minha avó era coruja. De verdade. Não no sentido da fábula da ave que via seus medonhos filhotes como os mais lindos do mundo. Era coruja porque carregava esse sobrenome que designa a ave noturna. Seu pai, um dos meus bisavôs, chamava-se Antônio Alves Coruja, mas a filharada não curtia muito o nome de família, provavelmente devido ao bullying de todas as épocas que não poupa ninguém com identificação de duplo sentido. Tão logo casou-se com um Souza, dona Rita excluiu o sobrenome paterno.
Eu também não uso, mas sei que a ave da sabedoria e do agouro está pousada num dos galhos da minha árvore genealógica. Sequer sou um colecionador de corujinhas, como vários brasileiros e portugueses que curtem miniaturas do bicho por simpatia ou superstição. A simbologia é forte: a coruja, para muitos povos, representa a inteligência e a clarividência — faculdade que muito me agradaria possuir para antever o futuro. Gregos antigos e nativos americanos acreditavam mesmo que a coruja, por enxergar à noite, era uma espécie de oráculo, tanto que a própria deusa da sabedoria e da justiça — Atena — é representada com uma dessas aves no ombro.
Mas nem tudo são flores no imaginário dessa ave de rapina. Os astecas a identificavam como “deus dos infernos” e achavam que ela aparecia para devorar a alma dos moribundos. Na Europa medieval, eram consideradas bruxas disfarçadas e ainda hoje são vistas como guardiãs dos cemitérios.
A verdade é que minhas parentes aladas não fazem mal a ninguém, excetuando-se, obviamente, suas presas — peixes, roedores, insetos e até outras aves. Mas elas também têm seus predadores, e talvez o mais perigoso seja o animal humano. Quando os filmes de Harry Potter estouraram, adolescentes de várias partes do mundo adotaram corujinhas de carne e penas como animal de estimação, imitando o próprio bruxinho e seus companheiros de magia. Depois que a onda passou, centenas foram abandonadas. No Reino Unido, foi preciso criar alas especiais nos santuários de aves para receber as órfãs do filme.
Mas a coruja também se vinga dos humanos. Uma das espécies mais comuns no Brasil é a chamada coruja rasga-mortalha, que emite um som assustador, semelhante a uma roupa sendo rasgada. Diz a lenda que, quando a agourenta passa sobre uma casa ou pousa no seu telhado, algum morador vai virar estrela.
Tem de tudo nessa minha família. Mas nossos filhotes são lindos.