Sei que o passado passou, mas o presente desta quarentena está tão confuso que nem adianta tentar vislumbrar o futuro. Por isso, talvez, estejamos dispensando tanta atenção ao pretérito perfeito das nossas existências: a seleção de 70, filmes antigos, fotos marcantes da carreira e dos amigos, conquistas esportivas, tudo o que um dia nos deu prazer está sendo reprisado na televisão, no rádio e nas redes sociais.
Nessa onda do vale a pena ver de novo, retornou à Capital o cinema drive-in, pelo qual as pessoas podem acompanhar as sessões ao ar livre sem sair de seus automóveis. E um novo espaço drive-in, esse para shows musicais, será inaugurado no sábado agora nas proximidades do Beira-Rio e não mais no terreno do Anfiteatro Pôr do Sol, onde um cágado-de-barbicha foi cruelmente assassinado e outras fêmeas da espécie têm ninhos retardatários. Ponto para o meio ambiente, apesar do martírio desse primo da tartaruga.
Na década de 70, quando os jovens machos da espécie humana também usavam barbichas, o ambientalismo ganhou visibilidade em Porto Alegre a partir da iniciativa do universitário que se pendurou numa árvore prestes a ser derrubada para a construção de um viaduto. Antes, o ecologista José Lutzenberger já havia fundado por estas bandas a Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), entidade pioneira na defesa da natureza.
Temos, portanto, uma história de preservação ambiental que justifica plenamente a transferência do espetáculo para outro local. Não é só pelo cágado-de-barbicha: é pelo princípio da interdependência. É pela hipótese de Gaia, que define a Terra como um imenso organismo vivo, capaz de se autorregular. O vírus, a nuvem de gafanhotos que se aproxima da fronteira gaúcha e outras mensagens da natureza não devem ser interpretados como sinais apocalípticos – mas, sim, como evidência de que tudo o que fazemos para o planeta e para os outros seres vivos resulta em consequências para nós.
Não sei como sairemos da atual encrenca, mas espero que os maus momentos também sejam lembrados quando tudo isso for passado, para que as lições da natureza sejam efetivamente assimiladas. A morte do cágado-de-barbicha talvez dê um filme interessante para se ver em algum drive-in do futuro.