Li que o ministro prestes a ser exonerado passou o fim de semana na berlinda e fiquei curioso para saber, afinal, que lugar é este onde os julgados esperam a comunicação da sentença. Seria uma espécie de purgatório? Ou um corredor da morte? Sempre achei que essa simpática palavrinha que serve para tanta coisa podia nomear um lugar verdadeiro, quem sabe um município desses que se emancipam por qualquer motivo.
– Sou berlindense com muito orgulho! – poderiam dizer os cidadãos lá nascidos.
Mas não é nada disso. Antes de virar metáfora, pelo que pesquisei, berlinda já foi uma bela carruagem de dois assentos e quatro rodas, que conduzia passageiros pelas estradas de Portugal do século 19. Como os patrícios viajavam em caravana, quem ia na carruagem da frente – a tal berlinda – apanhava menos pó, sofria menos com os solavancos e tinha a melhor visão do percurso. Por isso, o bilhete custava mais caro. Era a primeira classe da época. Estar na berlinda significava estar em evidência, ser olhado com inveja e admiração pelos demais viajantes (quando a poeira permitia) e, provavelmente, ser malfalado.
Com o tempo e a evolução dos costumes, a palavra ganhou novas conotações, entre as quais a de espera por algum desfecho, mais para o mal do que para o bem. Já começa que ninguém vai para a berlinda por vontade própria. O sujeito é mandado para lá. Existe, inclusive, uma brincadeira infantil chamada jogo da berlinda, que consiste exatamente em separar uma criança do grupo e colocá-la numa distância em que não poderá ouvir os comentários dos companheiros sobre ela. Ao ser chamada de volta, terá que adivinhar quem disse o quê. Se acertar, o autor passará a ocupar o seu lugar na posição solitária.
Mas a berlinda da política brasileira se parece mais com a sua origem medieval, que era uma espécie de palanque onde ficavam expostos ao escárnio público os suspeitos ou condenados por delitos. Aliás, já faz algum tempo que a própria política nacional pode ser comparada a uma grande berlinda, com muitos suspeitos e poucos insuspeitos – até mesmo porque todos se acusam mutuamente de mentirosos. E os cidadãos, excluídos como no joguinho infantil, ficam sem saber onde está a verdade. Talvez também esteja na tal berlinda.
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Observando o recente debate sobre a telemedicina, me lembrei de uma historinha que o saudoso companheiro Moacyr Scliar gostava de contar. Um médico do sistema público de saúde tinha aversão pelos pacientes pobres, malvestidos e nem sempre asseados que frequentavam o posto onde dava consultas. Para evitar o contato físico, criou uma rotina: ficava de cabeça baixa, com a mão sobre a testa e nem olhava para o sujeito do outro lado da mesa. Apenas perguntava o que ele sentia e já ia redigindo a receita para se livrar logo da presença indesejável. Deu efeito bumerangue: logo espalhou-se entre os doentes o boato de que ele era médium e passaram a se formar extensas filas na porta de sua sala.
Esse vai adorar o sistema de videoconsultas.