Numa dessas esquinas de Porto Alegre, assim imortalizadas pelo poeta Mario Quintana, parei no último sábado atrás de um carro com placas de Cabedelo, Paraíba. Como era dia de trânsito anormal, porque metade da população estava na praia e a outra metade tentando chegar lá, provavelmente retida em algum engarrafamento, tive tempo suficiente para ler a indicação de origem do veículo. Lembrei-me, então, de um tempo não muito distante em que a identificação de um motorista forasteiro me levava a perguntar-lhe se estava perdido ou precisando de alguma orientação nesta cidade do meu andar. Enxerido, já servi algumas vezes de guia para castelhanos distraídos, desses que esquecem parentes em postos de gasolina, e também para patrícios de outros Estados. Fui dispensado da função improvisada pelo GPS. Atualmente, é muito raro encontrar alguém que não utilize como bússola urbana o próprio celular, até mesmo por razões de segurança.
Pois a segurança e o controle também estão entre pretextos das autoridades para a implantação da placa padrão Mercosul, que já enfeita parte da frota gaúcha. Vem com código QR bidimensional, marca-d’água, ondas sinusoidais, faixa holográfica e outras modernidades que dificultam adulterações e falsificações. Caíram do projeto original, como se sabe, a bandeira do Estado e o brasão do município. A transição total ainda deve demorar, mas logo chegará o dia em que não será mais possível identificar a origem dos visitantes pelo crachá dos automóveis. Não mais veremos uma placa de Cabedelo, ou de Itaquaquecetuba, ou mesmo de Belzonte, que é como os mineiros se referem à sua capital, sede de emplacamento de muitos veículos a serviço dos aplicativos de transporte pago.
Assim como ocorre com movimentações financeiras suspeitas nas contas de certos políticos, certamente há justificativas plausíveis para todas as alterações da placa veicular, planejadas e implementadas por técnicos que se debruçam sobre o tema há vários anos. Mas confesso que recebi com certa tristeza essa sopa de letras e números difícil de memorizar. Como já fui contemplado com a inovação, minha primeira providência foi fotografá-la para não ser flagrado em constrangimento quando algum burocrata ou manobrista me perguntar:
– Placa do veículo, senhor?
A minha começa com IZB, isso não vou esquecer porque faço associação de ideia com o nome de minha querida tia Izabel, prestes a completar cem anos. Mas o restante só consultando o celular. Outra curiosa inovação é a mudança de cor das letrinhas das palavras Brasil e Mercosul, inseridas dentro dos caracteres maiores (Hot Stamp Personalizado é o nome técnico da coisa). Conforme a luminosidade do dia e o ângulo de visão, elas vão se transformando diante dos nossos olhos – uma verdadeira ilusão de óptica tecnológica.
Estamos ganhando um pequeno show pirotécnico para compensar a perda de identidade.