Passados dois meses da maior enchente registrada na história do país, a sensação em Brasília é de que a disputa político-ideológica e o conformismo com a burocracia começaram a tomar conta do cenário. A população gaúcha tem fresca na memória a declaração do presidente da República de que não faltará dinheiro para o Rio Grande do Sul. O estado de calamidade pública abriu espaço para gastos fora do orçamento e há um claro prejuízo econômico estabelecido. O que justifica, então, uma distância tão grande entre o que o Rio Grande do Sul precisa e o que realmente chega?
Em maio, logo que começaram a circular as imagens de cidades submersas, casas destruídas e milhares de pessoas desamparadas, voluntários fizeram mutirões em todos os cantos do país. O governo federal, os governos e prefeituras de outros Estados também se desdobraram para atender às urgências da população gaúcha.
Nas primeiras semanas da enchente, o presidente Lula fez quatro viagens ao Rio Grande do Sul. Anunciou o pagamento do “auxílio reconstrução”, a antecipação de benefícios sociais e de pagamentos a trabalhadores, além de outras medidas pontuais que ajudaram no início da retomada. Há, contudo, um dano estrutural imenso que dificilmente será vencido sem medidas excepcionais que vão muito além de prorrogação de vencimento de tributos e de empréstimos.
No setor produtivo do campo e da cidade, sobram queixas sobre escassez de crédito barato e renegociação de dívidas. Na contramão de todo o país, o Rio Grande do Sul foi o único Estado a fechar postos de trabalho no último levantamento do Caged, e especialistas na área alertam que os números devem piorar nos próximos boletins. A incerteza para quem teve perda total de residência é ainda maior. No Vale do Taquari, nem mesmo os atingidos na enchente de setembro do ano passado saíram das casas provisórias.
Nesta semana, quase 400 prefeitos e vice-prefeitos, deputados e senadores gaúchos se mobilizaram na capital para mostrar ao governo Lula e a lideranças no Congresso o tamanho do prejuízo econômico e a complexidade na recuperação de cidades que tiveram bairros completamente destruídos, de empresas que perderam maquinário e estoque, de produtores rurais que tiveram rebanhos e plantações levados pelas águas, além de famílias que viram conquistas de uma vida toda cobertas pela lama.
Com bandeiras do Rio Grande do Sul a tiracolo e uma lista de reivindicações, autoridades gaúchas passaram em gabinetes, deram entrevistas e tentaram fazer com que os problemas voltem à pauta nacional. Mas, se nos primeiros dias da enchente a situação do Estado dominou as agendas de ministros, de lideranças do Congresso e do noticiário na imprensa nacional, agora o caso entrou na imensa fila de pedidos da Esplanada.
A primeira vez que eu ouvi a declaração que encabeça este texto foi em um discurso do vice-governador Gabriel Souza, na reabertura da Ceasa. A experiência na cobertura política faz a gente ignorar frases de efeito ou eventuais tentativas do orador em dizer o que a plateia de plantão deseja ouvir. Mas guardei aquela frase e comecei a apurar se o estrato de Brasil instalado na capital federal tem ciência do que realmente aconteceu no Estado. A conclusão é a pior possível. De fato, o Brasil ainda não entendeu a tragédia do Rio Grande do Sul.