O presidente Lula foi contra o seu próprio discurso de respeito à autonomia dos Poderes e de valorização da boa política no momento em que ingressou no Supremo Tribunal Federal (STF) para suspender a desoneração da folha de pagamento de 17 setores da economia, além da redução na contribuição previdenciária dos municípios. A liminar concedida pelo ministro Cristiano Zanin amplia o desgaste do STF e do próprio governo com o Congresso justamente no momento em que a harmonia na relação seria necessária para o avanço da reforma tributária e de vários outros projetos de interesse do Planalto.
Nesta sexta-feira (26), após se reunir com técnicos do Congresso, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), anunciou que logo ingressará com o recurso jurídico. Também aproveitou para demonstrar as consequências para a Economia, a insegurança jurídica que a liminar traz e os prejuízos políticos que podem ser colhidos.
— É incrível agora nós nos depararmos com uma situação, inclusive espelhada em uma petição da Advocacia-Geral da União (AGU). Como se os problemas do Brasil se resumissem à desoneração da folha de pagamentos de 17 setores e de municípios já muito sacrificados por um pacto federativo muito injusto — pontuou Pacheco.
Embora o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tenha levantado bons argumentos para tentar convencer os parlamentares de que o governo não pode abrir mão de arrecadação, a vontade da maioria dos parlamentares foi no sentido contrário. E ela deveria, sim, ser respeitada.
Lula tem dito de maneira reiterada que preza pelo diálogo e respeita as decisões de um Congresso em que sua corrente política ficou longe de eleger uma maioria. Ao buscar uma solução no STF, no entanto, o presidente foi no sentido contrário.
— A decisão é um absurdo e uma afronta ao Congresso. É um governo que não aceita e não respeita a decisão soberana. Falta ao governo habilidade, debate a respeito deste tema e sensibilidade sobre algo que está há muitos anos consolidado — enfatizou a deputada Any Ortiz (Cidadania-RS), relatora do projeto de desoneração na Câmara.
Na decisão liminar, que ainda precisará ser referendada pelos demais integrantes do STF, o ministro Zanin entendeu que o projeto que prorrogou a desoneração não indicou o impacto financeiro nas contas públicas.
"O quadro fático apresentado, inclusive com a edição de subsequentes medidas provisórias com o objetivo de reduzir o desequilíbrio das contas públicas indicam, neste juízo preliminar, que há urgência em se evitar verdadeiro desajuste fiscal de proporções bilionárias e de difícil saneamento caso o controle venha a ser feito apenas ao final do julgamento de mérito", escreveu.
Além de afirmar que essas informações não são verdadeiras, Pacheco diz que o Congresso tomou outras medidas que asseguraram recursos para reduzir a exigência de contribuição previdenciária das empresas e das prefeituras.
Na próxima semana, o presidente do Senado reunirá os líderes para discutir as consequências políticas da suspensão. O movimento deve ser seguido pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Independentemente da decisão final do STF, a insistência do governo em levar adiante uma tese que foi vencida por ampla maioria no Parlamento poderá inviabilizar o avanço de outras pautas, e se tornar uma dor de cabeça ainda maior.