Ao insistir em reonerar a folha de pagamento pela via da judicial, o governo Lula contratou uma nova crise com o Congresso e os setores econômicos contemplados justo no final de uma semana que havia sido marcada por uma aparente pacificação com líderes parlamentares.
A iniciativa provocou reação forte do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), de líderes empresariais e municipais, já que prefeituras também foram contrariadas.
Por mais que tenha fortes argumentos - a despesa não está no orçamento e há vedação constitucional para conceder benefícios com base nas receitas que financiam a Previdência -, o governo começa uma batalha difícil de ganhar, e caso consiga, terá uma vitória amarga.
No setor privado, o impacto é profundo, uma vez que decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) têm efeito imediato. Ou seja, seria necessário fazer toda a adaptação do pagamento já na próxima folha. A situação gerou critícas duras de várias entidades empresariais.
A Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados) considerou um "retrocesso" e um "desrespeito ao trâmite" do Congresso. Conforme Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), A decisão de Zanin "cria um cenário de total imprevisibilidade" e "abala a confiança dos setores produtivos". A Federação Nacional de Call Center, Instalação e Manutenção de Infraestrutura de Redes de Telecomunicações e de Informática (Feninfra) argumentou que haverá "paralisação de investimentos essenciais e uma perda de credibilidade do país, por causa da insegurança jurídica".
Dado o perfil mais diplomático do presidente do Senado, chamou atenção a elevação de tom do discurso de Pacheco, que apontou "perplexidade e muita insatisfação":
— Por que precipitar uma ação dessa natureza, que acaba fomentando o fenômeno que nós queremos evitar no Brasil, que é a judicialização política?
Outro efeito negativo da insistência em reonerar a folha é que a aparente adesão de Pacheco à pressão para que o governo Lula admita cortar gastos para alcançar equilíbrio fiscal, não apenas aumentar receita:
— Já que houve essa provocação de uma reflexão em relação a isso, vamos fazer um grande debate agora também a respeito de como se aumenta a arrecadação sem sacrificar o contribuinte que produz e gera emprego e onde podemos cortar os excessos de gastos públicos. E nós vamos estar dispostos a fazer esse debate.
É bom lembrar que o próprio Pacheco está patrocinando uma proposta de emenda constitucional que aumenta o gasto público, segundo o Ministério da Fazenda em R$ 42 bilhões ao ano. Talvez seja necessário, mesmo, um amplo debate sobre receitas e despesas.
O que é a desoneração da folha de pagamento
Permite que empresas de 17 setores troquem o pagamento da contribuição previdenciária, de 20% sobre os salários dos empregados, por uma alíquota menor sobre a receita bruta, que varia de 1% a 4,5%. Os setores são confecção e vestuário; calçados; construção civil; call center; comunicação; empresas de construção e obras de infraestrutura; couro; fabricação de veículos e carroçarias; máquinas e equipamentos; proteína animal; têxtil; tecnologia da informação (TI); tecnologia de comunicação (TIC); projeto de circuitos integrados; transporte metroferroviário de passageiros; transporte rodoviário coletivo; e transporte rodoviário de cargas.