Quando levantar da cadeira que ocupou por 12 anos no Supremo Tribunal Federal (STF) na quinta-feira (28), a presidente da Corte, ministra Rosa Weber, deixará um importante legado de equilíbrio e eficiência. Dona de uma postura que passou a ser exceção entre os pares, ela evitou os holofotes, buscou apaziguar divergências internas, realizou uma reforma importante no regimento do tribunal, enfrentou temas polêmicos em plenário e agiu com o rigor necessário diante dos ataques golpistas de 8 de janeiro.
À frente do colegiado, a gaúcha de Porto Alegre buscou não chamar atenção, a não ser pelo carregado sotaque que manteve intacto no período em que atuou em Brasília. A discrição facilitou o trânsito em gabinetes cercados de ego, permitindo a construção, junto aos demais ministros, de soluções importantes para temas que geravam conflito institucional, como a morosidade de pedidos de vista e eventuais abusos de decisões individuais.
Antes sem prazo definido, agora os pedidos de vista dos processos precisam ser liberados para julgamento em até 90 dias. Sob a presidência de Rosa, também foi implementada a análise de liminares em sessão extraordinária no plenário virtual, em 24 horas, pondo fim à prevalência de decisões monocráticas.
Lembrada por colegas como uma pessoa afável, a ministra não deixou de enfrentar temas espinhosos, que dividem o país e colocam o STF como protagonista também no campo político. Pautou recentemente em plenário a tese do Marco Temporal para terras indígenas e a descriminalização do porte de drogas.
Ao ver que não teria tempo para discutir a revisão de regras sobre o aborto, alinhou com os demais ministros que daria início à discussão no plenário virtual para apresentar o seu voto. Se posicionou favoravelmente à descriminalização até a 12ª semana de gestação. Sem prazo para ser retomada, a discussão sobre a matéria permanecerá com o voto computado, mesmo com a sua aposentadoria.
Também sob seu comando, o STF analisou outros temas de repercussão, como a "revisão da vida toda" do INSS e o debate sobre o juiz das garantias — interrompido por um pedido de vista.
Ao mesmo tempo em que conseguiu deixar uma marca positiva à frente do tribunal, Rosa enfrentou críticas por ter aceitado a condução do ministro Alexandre de Moraes contra investigados pelos atos de vandalismo de 8 de janeiro. O fato de o STF ter marcado o julgamento da maioria dos réus no plenário virtual é visto por especialistas em Direito como uma afronta a garantias individuais por reduzir o direito de defesa dos acusados de vandalizar as sedes dos três Poderes e intentar contra o sistema democrático.
Sem conceder entrevistas ou se manifestar em redes sociais, a ministra se limitou sempre a expor seus argumentos nos autos. Afora os temas pautados nas sessões do plenário, fez poucas declarações no microfone. Mas na abertura do ano Judiciário, no salão que semanas antes havia sido destruído, expôs sua repulsa aos atos golpistas e reforçou seu compromisso com a democracia:
— Que os inimigos da liberdade saibam que, no solo sagrado deste tribunal, o regime democrático, permanentemente cultuado, permanece inabalável.
No ano passado, quando assumiu a presidência da Corte a menos de um mês das eleições presidenciais mais acirradas do país, com uma crise institucional em curso e reiterados ataques ao STF, o aparente pefil introvertido deixava dúvidas sobre o futuro de sua gestão. Quem já a conhecia, no entanto, estava seguro de sua capacidade.
Um dos responsáveis por levar o nome da magistrada de carreira à presidente Dilma Rousseff em 2011, o então ministro da Advocacia-Geral da União Luís Inácio Adams relata que ela foi escolhida em uma lista de 33 mulheres. Além da trajetória profissional, que somava experiências como juiza do trabalho e ministra do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ele relata que Dilma comentou de pronto ao ouvir seu nome: "Esta eu conheço, é uma pessoa digna".
— É algo da característica pessoal dela a discrição. É uma distinção da dignidade. Sei que é comum os ministros participarem ativamente do debate político, mas acho que isso tem que ser com algum grau de contenção porque expõe a Corte a polêmicas sobre as quais ela não deveria se posicionar — avalia Adams.
À frente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), cuja presidência é exercida concomitantemente ao STF, Rosa aprovou dois dias antes de se aposentar uma alteração nas regras para a promoção por merecimento de juízes à segunda instância do Judiciário. O modelo será adotado até que os tribunais atinjam pelo menos 40% de magistradas mulheres.
A medida era defendida com vigor pela ministra, que em breve deverá ver sua cadeira ser ocupada por um homem. O presidente Lula já disse que não irá considerar critérios de raça e gênero para a escolha. Entre os mais cotados, estão o ministro da Justiça, Flávio Dino, o advogado-geral da União, Jorge Messias, e o presidente do Tribunal de Contas da União, Bruno Dantas.
Aos 75 anos, Rosa Weber deixa o STF de forma compulsória, com uma passagem curta pela presidência, mas com um rosário de lições aos seus sucessores — inclusive ao ministro Luis Roberto Barroso, que assume a cadeira de presidente nesta quinta-feira.
Com a humildade de quem ouviu seus pares e buscou consensos, a ministra mostrou que a atuação coletiva costuma ser mais assertiva. Evidenciou que o respeito é conquistado pelo exemplo. E que, às vezes, o silêncio é mais poderoso do que as palavras.