A apresentação do relatório do grupo de trabalho (GT) da reforma tributária não esclareceu como o projeto manterá os incentivos que garantem a competitividade da Zona Franca de Manaus (ZFM).
O texto divulgado pelo relator do tema, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), traz como diretriz a manutenção do regime tributário favorecido à ZFM, bem como ao Simples Nacional. Mas não detalha, por exemplo, a forma como será mantido o diferencial do Imposto sobre Produto Industrializado (IPI) — principal vantagem das indústrias que se instalam na capital do Amazonas.
Ao reunir cinco tributos em um IVA (Imposto sobre Valor Agregado), a reforma propõe a extinção do IPI. Contudo, apenas estender o benefício a outras regiões do país, sem formas de compensação, tornaria inviável a operação em um local com elevados custos logísticos e isolado dos principais mercados consumidores, segundo empresários instalados na região.
Uma das sugestões à mesa é usar o imposto seletivo, criado no projeto da reforma, para taxar os cerca de 400 itens que representam a maior parte da produção na Zona Franca quando eles forem importados ou produzidos em outras regiões do Brasil.
O objetivo de lideranças políticas e empresariais do Amazonas é assegurar de forma explícita na Constituição as garantias que compõem a base do plano de desenvolvimento, lançado em 1967, que hoje garante o funcionamento de aproximadamente 600 empresas no polo, gerando 500 mil empregos diretos e indiretos.
— Não estamos falando em prejudicar a indústria nacional, mas em resguardar o que é produzido na Zona Franca. Em geral, a nossa competição não é interna (entre os Estados). O IPI é uma "cerca" para os chineses. Se você tira o IPI de moto ou eletroeletrônico, ninguém vai produzir isso no Sul e Sudeste, os chineses ou outros mercados mais competitivos vão nos engolir e sucatear a nossa indústria — enfatiza o conselheiro do Centro da Indústria do Estado do Amazonas (Cieam) Jeanete Portela.
O GT que debateu a reforma na Câmara também não detalhou a forma como será garantido o diferencial de ICMS para empresas instaladas na ZFM. Lideranças do Amazonas propõem que a compensação ocorra por meio de crédito presumido aplicado ao novo imposto estadual/municipal sobre o consumo.
O Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), responsável pela elaboração de parte do texto em discussão no Congresso, defende que a solução para a ZFM seria a implantação de um modelo de cashback para que se devolva às empresas, em dinheiro, o valor que hoje elas possuem na forma de benefício tributário.
A entidade já contou com colaboração do secretário do Ministério da Fazenda que conduz a reforma, Bernard Appy. A efetividade do modelo é vista com ressalvas entre empresários da ZFM, mas ele não é descartado.
— Não temos preconceito com qualquer natureza jurídica, desde que mantenha a nossa competitividade. Qualquer outra coisa que não seja equivalente ao final não é suficiente — pontua o presidente do Conselho Superior do Cieam, Luiz Augusto Barreto Rocha.
Os membros do GT da reforma na Câmara visitaram o Polo Industrial de Manaus (PMI) e receberam sugestões de medidas que garantiriam não apenas a manutenção do potencial produtivo, mas sua expansão e diversificação.
Uma das ideias envolve a criação do chamado Fundo Constitucional da Bioeconomia (FCBio), a partir de um percentual dos recursos arrecadados com o CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) e o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), no caso da adoção de um IVA dual, conforme proposto até agora.
Além dos recursos da União, o fundo contaria com dinheiro já repassado hoje por empresas instaladas no PMI a título de contrapartida dos benefícios, o que inclui aportes nos fundos FTI e FMPES, além de projetos de P&D (pesquisa e desenvolvimento) e do financiamento da Universidade do Estado do Amazonas (UEA).
A proposta prevê que o fundo seja administrado de maneira independente. Seria definido em lei complementar os critérios de governança, responsabilidade dos administradores e mecanismos de prestação de contas.
O FCBio seria uma forma de criar outras matrizes de desenvolvimento até 2073, ano em que está previsto o fim dos benefícios para o polo. Lideranças da região defendem a expansão de atividades que explorem o potencial da região amazônica, preservando florestas e toda a riqueza ambiental.
— Os produtos estão mudando, até que ponto seguiremos competitivos em um mundo cada vez mais dependente de semicondutores com o Brasil não sendo um produtor de tecnologia? Até que ponto isso tudo não será substituído por importação em 10 ou 20 anos? — acrescenta Rocha.
No governo do Amazonas, há uma preocupação adicional com o fim da tributação no local da produção e sua transferência para o local de consumo do produto. Para isso, defende um modelo híbrido em que parte do imposto cobrado no destino volte para os cofres do Estado. A medida é apoiada em outras regiões por governadores e prefeitos que resistem à reforma.
A ZFM recebe atualmente 7% dos incentivos fiscais do país classificados pela Receita Federal como gastos tributários. A renúncia estimada em 2023 é de R$ 30 bilhões — sem considerar o diferencial de ICMS, a cargo do Estado.