Lideranças do governo finalmente se deram conta de que a base do presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Congresso é bem mais frágil do que seus interlocutores tentam fazer crer. A empolgação pelo expressivo placar de 372 votos a 108 na aprovação do arcabouço fiscal durou menos de 24 horas. Com a benção do poderoso presidente Arthur Lira (PP-AL), a Câmara fez mudanças na estrutura do governo e deu celeridade a uma pauta que fere princípios defendidos por ambientalistas e por indígenas. A semana terminará com lições e recados.
Os sinais de que o governo entendeu a necessidade de adotar uma postura mais pragmática, mesmo que isso signifique abandonar pautas históricas do PT, começaram a aparecer. Sem força sequer para manter o desenho original da Esplanada desenhado por Lula, os líderes do governo orientaram pela aprovação de um texto que retirou poderes dos ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Originários.
A redação da Medida Provisória (MP) de estruturação do governo Lula foi aprovada pela Comissão Especial que analisava o tema e agora seguirá para o plenário da Câmara, onde deve ser ratificada. A Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) e a Política Nacional de Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambiente passaram ao Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional, de Waldez Góes (PDT), que foi indicado pelo ex-presidente do Senado Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) ao governo.
A mudança não é coincidência. Dias antes, eles ficaram indignados com o veto do Ibama — vinculado à pasta de Marina — a um projeto da Petrobras envolvendo a perfuração de poços de petróleo no Norte do país, que beneficiaria com recursos o Amapá, Estado de origem do senador e do ministro.
Os parlamentares também retiraram do Ministério do Meio Ambiente a responsabilidade sobre o Cadastro Ambiental Rural (CAR), que migrou para o Ministério da Gestão. Marina Silva havia determinado apuração rigorosa sobre o suposto uso do instrumento para desmatamento ilegal e grilagem de terras.
Além de interesses pontuais, as mudanças agradam à numerosa bancada ruralista, que tem enviado recados frequentes de descontentamento com o governo. Embora o setor tenha feito oposição ferrenha a Lula nas eleições, o petista sabe que a retomada do crescimento do país e a redução no preço dos alimentos passa diretamente pelo fortalecimento do agro. Por isso, apesar de sinalizações enviesadas no início do governo, a regra é buscar maneiras de conciliação.
Outro sinal de que a pauta ideológica poderá ser deixada de lado em nome de futuro apoio no Congresso foi percebida na votação da urgência do chamado “Marco Temporal”, que limita a demarcação de terras indígenas. O líder do governo, José Guimarães (PT-CE), percebendo o massacre que o placar apontaria, decidiu se abster na orientação de voto. Por 324 votos a favor e 131 contra, a urgência foi aprovada pelos deputados, que já podem analisar na semana que vem o projeto em plenário, dias antes de o Supremo Tribunal Federal (STF) retomar o julgamento de uma ação sobre o tema.
Além da demonstração de força e do recado implícito de que pretende exigir uma fatia maior do governo — o que passa pela indicação de aliados e empenho de emendas —, Lira deixou claro a Lula que o presidente precisará fazer escolhas. Se a prioridade de seu governo é “colocar o pobre no orçamento”, como disse na campanha, o petista terá de ceder em pautas que são caras à sua militância, mas que encontram forte resistência no Congresso.
A postura pragmática poderá garantir vitórias pontuais, mesmo sem uma base sólida. Mas também abre brecha para a erosão de pontes reconstruídas há pouco, como a relação entre Lula e Marina Silva. Com a pasta esvaziada e na mira da pesada artilharia de membros do governo e lideranças no Congresso, a ministra precisará de muita resiliência para seguir no governo.