Que tal ocupar um cargo público de relevância e ter a própria esposa no colegiado que julga as suas contas? Da esquerda à direita, governadores e ministros influenciaram nos últimos meses uma sequência vergonhosa de indicações a tribunais de contas dos Estados. O último caso foi em Roraima. A primeira-dama, Simone Denarium, foi eleita na segunda-feira (22) como conselheira do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RR) e será uma das responsáveis por fiscalizar a atuação do marido, o governador Antonio Denarium (PP).
Na votação secreta dos deputados estaduais, Simone recebeu 17 de um total de 24 votos. Previsível. Reeleito e com maioria no legislativo, por que o governador teria dificuldade em aprovar a própria esposa?
Nos últimos meses, o expediente utilizado por Denarium – um dos principais apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro no Norte do país – foi trilhado igualmente por ministros do governo Luiz Inácio Lula da Silva e por governadores alinhados ao petista.
Na Bahia, a esposa do ministro da Casa Civil, Rui Costa (PT), ocupa uma cadeira no Tribunal de Contas dos Municípios da Bahia desde março. Aline Peixoto é enfermeira e recebeu 40 de 63 votos na Assembleia de seu Estado. O marido, além de ser braço direito de Lula e ter feito Jerônimo Rodrigues (PT) como sucessor no governo do Estado, é um dos políticos mais influentes junto às prefeituras.
No Pará, a advogada Daniela Barbalho, esposa do governador Helder Barbalho (MDB), foi aprovada com folga como conselheira do Tribunal de Contas do Estado, também em março deste ano. Em Alagoas, a administradora Renata Calheiros, esposa do ex-governador e ministro dos Transportes Renan Filho (MDB), lançou candidatura 24 horas antes da votação pela Assembleia e logo foi escolhida titular do Tribunal de Contas de Alagoas.
Um dos políticos mais relevantes do Piauí, o ministro do Desenvolvimento Social Wellington Dias (PT) teve a esposa eleita para o Tribunal de Contas do Estado com unanimidade de votos, em janeiro. Ex-deputada e ex-secretária estadual de Educação, ela foi indicada pelo governador Rafael Fonteles (PT), aliado e sucessor de Dias no cargo.
No Amapá, o ministro do Desenvolvimento Regional, Waldez Góes (PDT), garantiu a esposa Marília Góes como conselheira. Aprovada com ampla maioria de votos, ela chegou a ter a posse suspensa pela Justiça, que apontou indícios de nepotismo. A decisão foi logo reformada pelo Tribunal de Justiça.
A influência política não beneficia apenas esposas de agentes públicos. Em Pernambuco, na semana passada, a Assembleia Legislativa aprovou o advogado Eduardo Porto como novo conselheiro do TCE do Estado, em substituição ao próprio pai, Carlos Porto, que se aposentou. A candidatura foi patrocinada pelo presidente da Assembleia de Pernambuco, Álvaro Porto (PSDB), que é irmão de Carlos.
A constituição federal diz que o conselheiro de contas é responsável por apreciar as contas prestadas anualmente pelo governador do Estado, prefeitos e presidentes de câmaras municipais, além de julgar e exercer a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial.
O cargo é vitalício. Além do salário – o valor é determinado em cada Estado, muitas vezes chega ao teto constitucional de R$ 41 mil –, os conselheiros têm direito a uma série de benefícios, como auxílios moradia e alimentação. Aos contribuintes, resta apenas o benefício da dúvida sobre a moralidade das escolhas e a isenção dos futuros julgamentos.