O substitutivo da Câmara dos Deputados que será a base para a regulamentação da reforma tributária trouxe algumas surpresas positivas - do ponto de vista do custo/benefício da medida -, como a manutenção da carne na cesta básica estendida.
Embutiu, no entanto, outras quase inacreditáveis, como a inclusão de carros elétricos na incidência de imposto seletivo, também chamado de "imposto do pecado". Só para comparar, armas, por exemplo, estão fora dessa lista.
A justificativa de um dos integrantes do grupo de trabalho que elaborou o texto, deputado Hildo Rocha (MDB-MA), é um primor de lógica (caro leitor, essa expressão contém ironia):
— O carro elétrico tem pneu, tem bateria, tem um monte de coisa.
A racionalidade do "imposto do pecado" é a seguinte: ajudar a reduzir a alíquota média com cobrança maior sobre produtos que são prejudiciais à saúde e ao ambiente. É bom lembrar que a orientação básica dessa etapa da reforma é a neutralidade, ou seja, não elevar a carga tributária média do país. Estão na lista, por exemplo, obviedades como cigarros, bebidas alcoólicas e pesticidas.
Muitíssimo menos óbvio é saber porque os carros elétricos estão lá, por mais "muita coisa" que tenham. Se essa lógica fosse aplicada como padrão, quase todos os bens e até alguns serviços deveriam estar listados como "pecados", por ter algum componente que carrega alto teor de emissões de carbono (se é que era isso que o parlamentar queria dizer).
Há apenas seis dias, foi sancionado o programa Mobilidade Verde e Inovação (Mover), depois da devida aprovação no Congresso. Sua principal missão é... incentivar o uso de veículos menos poluentes, ou seja, híbridos e elétricos. Além de prever incentivos financeiros - não fiscais -, reduz o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para esses veículos.
A expectativa por esse programa gerou anúncios de investimento de R$ 70 bilhões no Brasil, inclusive com destinação bilionária para a modernização da planta da General Motors em Gravataí, que embute a expectativa de produção de um modelo elétrico.
Então, o Brasil, em menos de uma semana, estimula a produção de veículos menos poluentes e desestimula o consumo. É um feito mesmo no país em que até o passado é incerto.