Cecília Rapassi é sócia-diretora da Gouvêa Fashion Business, empresa que é referência no mercado nacional do varejo, parte do Gouvêa Ecosystem. Formada em Moda e pós-graduada em vendas e negociação, Rapassi é também professora no curso de pós-graduação em Fashion Business na Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP) e mentora de lideranças de vendas. Com cerca de 20 anos de experiência no segmento, trabalhando com grandes marcas nacionais e internacionais, a executiva comenta a fusão recentemente confirmada entre os grupos Arezzo e Soma, que agitou o mercado nos últimos dias, e também sobre o ingresso de produtos chineses no Brasil, a implementação de avanços tecnológicos e a preocupação com práticas sustentáveis no setor.
Qual é o impacto da fusão da fusão dos grupos Arezzo e Soma no mercado brasileiro?
Esse grupo vai se tornar, como o mercado percebeu, uma "powerhouse", uma referência. A fusão soma cerca de 30 marcas, muitas já bem estabelecidas, e faturamento total em torno de R$ 12 bilhões por ano. Fica claro que vai ocorrer um ganho muito grande em termos de escala de produção, integração tecnológica, presença no território nacional, com mais de 2 mil pontos físicos de venda, redução dos tempos de entrega dos produtos, com maior eficiência logística. Essa operação também vai aumentar a profissionalização do setor, aumentando a régua de exigência.
Quais são os principais desafios para fazer operação dar realmente certo?
A integração entre as culturas das marcas e dos grupos. Os dois grupos já vinham em caminhos de aquisições e integração com outras marcas menores. O Grupo Soma, por exemplo, já vinha de um momento delicado de integração com a Hering, que já era uma gigante, e aí já havia duas culturas diferentes, carioca e catarinense. É um processo demorado, leva tempo até se criar uma cultura única, harmônica, e agora vem uma nova onda de integração. Tudo precisa ser bem trabalhado que os grupos consigam capitalizar os ganhos de produtividade e redução de custos.
Como vê o apetite da Arezzo por aquisições, que vem acumulando nos últimos anos?
Os dois grupos vinham em jornadas de aquisições. A Arezzo sempre foi especialista em calçados, e começou a adquirir outras marcas, como Vans, Paris Texas, e Reserva. Foi o grande movimento do grupo para entrar com força no vestuário masculino. O Grupo Soma se origina com a fusão de Animale e Farm, no segmento do vestuário feminino, e comprou outras marcas do setor, como Cris Barros, Nati Vozza, Maria Filó, até a grande aquisição da Hering. Em um conglomerado de marcas como esse, ou "house of brands", os grupos se estabelecem como grandes referências porque ficam em várias categorias do segmento, da moda mais democrática ao luxo. Mesmo com essa grande fusão, podem ocorrer novos movimentos envolvendo o grupo no futuro, pois ainda há possibilidade para crescimento em outros segmentos, como infantil, jeans wear e vestuário masculino.
O desembarque de marcas chinesas no mercado da moda pesaram na fusão?
Sim, porque pressiona o mercado como um todo. Por mais que essa competição seja em uma faixa de preço mais baixa, acaba chegando até a quem consome produtos de luxo. Por isso, o caminho para as empresas nacionais é se profissionalizar, oferecer opções exclusivas e personalizadas, e vantagens como menor tempo de entrega. As vantagens que vêm com a fusão, como aumento da escala, maior eficiência logística e redução de custos de produção, ajudam a competir com o menor preço.
Qual o impacto da fusão para a Lojas Renner, maior grupo do segmento no Brasil?
É um sucesso no mercado nacional, e continua sendo o primeiro lugar em faturamento. É exemplo em práticas de sustentabilidade e líder de vendas. Ainda tem um grande diferencial em relação aos concorrentes, que é o fato de já estar consolidada como um ecossistema, uma plataforma que oferece também produtos financeiros e outros tipos de serviço, uma tendência do varejo global.
Pode dar alguns exemplos desses produtos e serviços?
Uma possibilidade é oferecer serviços financeiros, outra é aumentar a venda de produtos de tecnologia, que Arezzo e Soma ainda não têm. Outra é oferecer o que se chama no mercado de experiências, por exemplo, com marcas de vestuário infantil nos Estados Unidos que oferecem experiências dentro de suas lojas, em colaboração com a Disney. O papel da loja física tem mudado nos últimos anos, e cada ponto pode virar um palco de experiências distintas para o consumidor.
Como práticas sustentáveis têm sido integrada às principais empresas do varejo de moda?
O mercado da moda foi visto como grande vilão da sustentabilidade, utilizando muita água na produção, por exemplo, ou por que a "fast fashion" estimula maior consumo. Então, precisa ser de fato protagonista em práticas sustentáveis. A forma como a Renner se posiciona nesse sentido é notável, reconhecida pelo mercado e referência no segmento. As boas práticas socioambientais estão sendo mais valorizadas pelos consumidores. As gerações mais novas demonstram maior engajamento com questões relacionadas ao ambiente, e isso se reflete nos hábitos de consumo.
De que forma o setor está introduzindo os avanços tecnológicos, como a aceleração da inteligência artificial, em suas atividades?
O uso da inteligência artificial tem crescido de diversas formas, já há muita tecnologia disponível, mesmo que ainda não aplicada na prática. Mas há projetos de desenvolvimento de estampas e coleções por inteligência artificial, também para corte e modelagem das peças. Contudo, o maior uso da tecnologia no segmento ainda está muito ligado à análise de dados, de hábitos de consumo e comportamento do consumidor, para se aproximar do cliente e ser o mais assertivo possível na oferta de produtos e serviços.
* Colaborou Mathias Boni