O Brasil aprovou uma reforma tributária parcial - apenas dos impostos sobre o consumo - depois de quase 40 anos de espera, mas o resultado é controverso e muitas decisões cruciais foram deixadas para a regulamentação. Ainda neste mês, devem começar a trabalhar os grupos técnicos que vão propor as regras que faltam, com prazo de 60 dias para deixar os projetos prontos para apreciação. Quem promete acompanhar esse processo com lupa é Gustavo Brigagão, advogado e professor de Direito Tributário nos cursos de pós graduação da Fundação Getulio Vargas (FGV) que atuou em várias entidades nacionais internacionais relacionadas ao universo dos impostos, como a Internacional Fiscal Association (IFA) e a Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF). Sócio-fundador do Brigagão, Duque Estrada Advogados, afirma que essa etapa terá de "consertar uma série de equívocos" que podem ser cometidos se não houver muito cuidado.
Qual sua expectativa sobre a regulação da reforma tributária sobre consumo?
Houve um empenho forte para que a reforma do consumo fosse aprovada, com açodamento enorme. Essas mudanças prometiam um sistema mais simples do que o atual, a não cumulatividade, o fim da guerra fiscal, mas entregaram o oposto. O texto final deixa muito a desejar, e o processo que culminou com a emenda constitucional não foi adequado.
A espera de quase 40 anos por essa reforma não justifica a pressa?
Esse não é um bom argumento. O relatório final só ficou pronto 24 horas antes da votação, e ainda foi mudando durante a apreciação. O texto completo só foi disponibilizado sete dias depois. Houve dois turnos que foram um só, votação remota sem necessidade. Muitos deputados sequer leram o projeto, não porque não quiseram, mas porque não deu tempo.
Em vez de transformar cinco impostos em um, como se dizia, troca cinco por outros cinco.
Por que o texto não ficou bom?
Para começar, em vez de transformar cinco impostos em um, como se dizia, troca cinco por outros cinco. Saem PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS, entram IBS, CBS, imposto seletivo, Cide e IPI da Zona Franca. Ainda não ficou definido o conceito de cumulatividade e, além disso, existe a possibilidade de que as empresas só possam se creditar se verificarem o que seu fornecedor recolheu e pagou. Isso é um absurdo, não existe em qualquer outro lugar no mundo. E da forma como foram criados o IBS e a CBS, vamos ter o IVA mais alto do planeta. A União vai querer cobrar 12%, os Estados estão elevando alíquotas de ICMS já agora, reclamando que serão prejudicados com a reforma. Vão querer uma alíquota alta.
Há chance de melhorar alguns desses aspectos com a regulamentaçao?
A redação da emenda ficou muito ruim, confusa, conflituosa. Se não houver mudança, vamos ter uma não cumulatividade tão complexa quanto é hoje. E até 2032, vamos ter de conviver com dois sistemas e dois cálculos. Com um texto que altera de forma disruptiva a tributação do consumo, era preciso ter mais cuidado, ser lido e discutido palavra por palavra, vírgula por vírgula. Agora, vai ser preciso consertar uma série de equívocos. Será preciso conceituar com clareza o que é bem de uso e o que é bem de consumo, deixar límpido e cristalino, para evitar que Estados e municípios fiquem brigando entre si. E precisamos uma regulamentação muito detalhada e clara do que é não não comulatividade.