O geólogo Juliano Kuchle é professor do Instituto de Geociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Kuchle também se graduou, especializou-se como geólogo do petróleo e concluiu mestrado e doutorado em Geociências na UFRGS. Na universidade federal gaúcha, o geólogo também desenvolveu um projeto de pesquisa específico na Bacia de Pelotas para a Agência Nacional do Petróleo (ANP). Nesta entrevista à coluna, Kuchle detalha aspectos que transformaram o mais recente leilão de áreas para exploração de petróleo em um marco histórico para o Estado e projeta as próximas etapas da exploração de petróleo no local.
Como vê a grande quantidade de blocos arrematados?
O Rio Grande do Sul não tinha até então nenhuma possibilidade concreta de exploração de petróleo a curto e médio prazo. Na Bacia de Pelotas, nunca se havia visto antes interesse tão grande quanto agora. Então, foi uma surpresa positiva. E a Bacia de Pelotas, no extremo sul do Brasil, pode atender o polo sul com petróleo. Fiquei feliz em ver não só o número de blocos arrematados, mas também quem arrematou, o perfil das companhias que entraram.
A formação semelhante à da Namíbia explica o interesse?
A Bacia de Pelotas já teve cerca de 20 poços perfurados, mas nenhum teve sucesso. Isso ocorreu na década de 1990 e início dos anos 2000. Na Bacia de Campos, que por muito tempo foi a maior produtora brasileira, foi descoberto petróleo no 17º poço. Então, é normal furar uma grande quantidade de poços até achar. A Bacia de Pelotas foi pouco explorada. Por isso, é importante que Petrobras, Shell, Chevron e a CNOOC tenham arrematado. São petrolíferas grandes, chamadas de "majors" no mercado. Não estão vindo como turistas, têm quadro técnico, capacidade de investimento. A Namíbia, por mais longe que esteja hoje, já ficou a 30, 40 quilômetros da Bacia de Pelotas na época que o petróleo foi formado, porque fazia parte do Gondwana, o supercontinente que colava a América do Sul e a África. Então, quando se acha, em uma configuração da Bacia de Orange, na Namíbia, petróleo em grande volume, em grandes campos, em uma bacia muito, muito similar à Bacia de Pelotas, faz com que fique muito atrativa. No Uruguai, não se encontrou ainda o óleo, mas se viu prospectos com alto potencial, em uma bacia também muito semelhante à Bacia de Pelotas. Então, começa a se fechar um triângulo de bacias. Se acha um grande volume de óleo na Namíbia, se acham prospectos muito relevantes no Uruguai, então em Pelotas, espécie de "irmã", tem de dar uma olhada com calma. Tudo aquilo que no passado se olhava com alto grau de incerteza, agora vira um olhar otimista.
Há grande probabilidade, de fato, de achar petróleo na Bacia de Pelotas?
Por muito tempo se disse que Rio Grande do Sul não tem pré-sal. É verdade, mas isso não significa que o Rio Grande do Sul não tenha petróleo. O pré-sal virou sinônimo de petróleo em abundância, mas não é toda a realidade, existem outras possibilidades de petróleo fora do contexto pré-sal. A Bacia de Pelotas tinha já algum tipo de atratividade lá em meados dos anos 2000, mas o que aconteceu? A descoberta do pré-sal levou o esforço de investimento para outro caminho, principalmente da Petrobras e das majors. E foi certo, dada a grande capacidade do pré-sal. O projeto da Bacia de Pelotas tinha ficado na gaveta, e agora chegou a hora de botar em prática. Para isso, será preciso melhorar a qualidade de dados. Vão precisar de uma sísmica nova. É uma espécie de tomografia do solo, porque é muito caro ficar furando às cegas. Isso vai derivar para a perfuração. Depois da concessão obtida por essas companhias, vai ter um período de alguns anos para, primeiro, fazer uma sísmica, e depois os cálculos de risco. Mas, com certeza, o desenho que se busca na Bacia de Pelotas, já foi visto na Namíbia e no Uruguai.
Quais as principais características da Bacia de Pelotas, e como se compara ao pré-sal?
O pré-sal é um reservatório carbonático que vem embaixo de uma grande camada de sal, desde o sul da Bacia de Santos, perto de Florianópolis, até perto do Nordeste. Sob essa camada, nem todas essas áreas têm reservatório, mas há condicionamento de o petróleo ficar armazenado embaixo do sal em grandes volumes. Na Bacia de Pelotas não tem sal, mas há um intervalo estratigráfico (entre as várias camadas de formação do subsolo) superior, em que está se encontrando grandes volumes de um reservatório que até agora não se sabe exatamente o que é, por falta de dados. Mas parecem ser reservatórios turbidíticos (formado por depósitos sedimentares) ou de escorregamentos nas regiões de quebra de plataforma (para além da extensão dos continentes sob o mar), que gerariam grandes corpos arenosos num sistema marinho profundo. Pode ser uma acumulação de óleo interessante. Não tem como comparar com um campo do tamanho de Tupi ou Búzios (entre os maiores do pré-sal), mas não significa que sejam ruins. São reservatórios de porte médio, enquanto existem os gigantes do pré-sal, que chegam perto dos reservatórios árabes. Mas para a Bacia de Pelotas, onde nunca houve descobertas, em uma região de polos industriais, um reservatório desses vem muito a calhar.
Quais devem ser agora as próximas etapas das atividades das petrolíferas na região?
Depois da concessão, a próxima fase é a fase de exploração. Exploração é estudar a área, entender o contexto geológico, obter dados de alta resolução, e tomar uma decisão de continuar ou não. Se entenderem que a área não é atrativa, que o risco é alto, então devolvem, como já ocorreu no passado. Mas não foi com esses blocos, nessa área e nesse contexto. Se decidir furar, pode achar ou não. Se não encontrar, pode continuar procurando, ou também devolver. Isso pode levar de três a cinco anos. Se achar o óleo, entra na fase de desenvolvimento. Aí, precisa entender o campo, desenhar um controle no limite e identificar qualidade, temperatura, pressão e volume de óleo lá embaixo. Essa fase pode levar de dois a três anos. Então, só aí, já tem prazo entre cinco a sete anos até o final da etapa de desenvolvimento. Depois, finalmente, chega a etapa da produção. Põe uma plataforma, um FPSO (navio com capacidade para processar, armazenar e transferir petróleo) e vai tirando. Essa fase pode durar 20 anos, 30 anos, ou o campo pode produzir e começar a cair em cinco anos, 10 anos. Existem campos brasileiros que têm 25 anos de produção e não caiu nada. E lembro que tem toda a questão ambiental, que é o cerne do bloqueio na Margem Equatorial brasileira. É um envolvimento ambiental muito sensível, tanto em termos geológicos, ecológicos, quanto em termos políticos. No Rio Grande do Sul, será preciso analisar com muita sensibilidade o pedido de uma perfuração, não vai ser simples. Feito esse adendo, essa perfuração pode derivar para um campo de petróleo.
Como se avalia o impacto ambiental gerado pela atividade?
A questão ambiental é extremamente relevante. Existe todo um segmento de geologia ambiental especializado nisso. Meu foco de pesquisa é o da exploração. Mas verificar como é o fundo marinho, qual é o tipo de fauna e flora, medir o impacto ambiental, fazer simulação de risco de vazamento, tudo isso deve ser levado em conta. É preciso ter esses cenários modelados e previstos, com um plano de remediação.
Se confirmado petróleo na Bacia de Pelotas, haverá diversas plataformas na costa gaúcha?
Não, não é mais muito usado. Hoje em dia, se usa um navio gigantesco, que se chama FPSO, que fica parado. Antigamente, havia uma plataforma para cada poço produtor, então, de uma plataforma às vezes dava para enxergar a outra. Agora, não, é um só navio para 20, 30 poços, que bombeia todos ao mesmo tempo. Quando enche (os reservatórios do navio), escoa via duto para o continente. É possível que, no futuro, haja um navio na costa do Rio Grande do Sul com produção de petróleo.
As petrolíferas que arremataram os blocos têm suas próprias equipes, mas é possível alguma colaboração com a comunidade científica local?
Deve ter as duas coisas. Tem uma questão estratégica, que envolve ter o conhecimento. Existem certos aspectos que uma petrolífera não torna públicos, mesmo para universidades. Há outros, fundamentais, os pontos científicos de base, sobre os quais prevejo que as companhias vão nos procurar e buscar parcerias com os professores das nossas universidades, não só de geologia, mas da área ambiental e de engenharia, para produzir conhecimento, que, com certeza, vai ser compartilhado. Isso deve trazer projetos de pesquisa, bolsas de estudo para alunos, inclusive empregos e possibilidades de diversas atividades para o Rio Grande do Sul, mesmo ainda na fase exploratória.
A produção também geraria royalties ao Estado e aos municípios?
Com certeza. O que a gente vê no Rio de Janeiro, em cidades como Macaé, também viria em aporte proporcional ao volume de óleo produzido para as cidades gaúchas. Agora, os royalties são apenas uma parte do retorno. A atividade de exploração já vai gerar demanda por mão de obra, e se entrar na fase de desenvolvimento e de produção, o que chega mais ainda são empregos, impostos, toda uma cadeia. A empregabilidade e o movimento do comércio local, muitas vezes, é muito maior do que os royalties.
* Colaborou Mathias Boni