Não há dúvida: a primeira greve geral no governo de Javier Milei, convocada apenas 45 dias depois da posse, teve origem política. Se houvesse insegurança no diagnóstico, o apoio de vários opositores, entre os quais o governador da província de Buenos Aires, Axel Kicillof - o kirchnerista que obteve o melhor resultado eleitoral em dezembro passado -, confirmou.
Essa origem não tira nem acrescenta mérito à mobilização, mas precisa ser reconhecida porque a combinação entre o azedume da crise em que a Argentina já estava mergulhada antes de Milei e o amargor das medidas adotadas por ele pode mudar a gênese dos protestos. E se isso ocorrer, aí sim será um problema.
O que mais parou, até o horário em que esta nota foi escrita, foi a conexão aérea, inclusive com cancelamentos de voos do Brasil. O comércio de rua fez questão de manter as portas abertas, assim como outros negócios, mas bancos também foram afetados pela adesão de seus funcionários à greve.
Pela manhã, o porta-voz do governo Milei, Manuel Adorni, avisou que os servidores federais que aderissem à paralisação teriam um dia descontado do salário, o que reduziu a adesão da categoria. Apesar de ter anunciado uma greve com hora marcadas, das 12h às 19h, a Central General de los Trabajadores (CGT, a maior da Argentina) ameaçava, à tarde, com parada nos transportes a partir das 19h.
O objetivo era pressionar os congressistas a não aprovar a "lei ómnibus" de Milei. Entre as propostas polêmicas remanescentes, mesmo depois de vários recuos, estão as que minam a própria existência dos sindicatos. Líderes sindicais como Pablo Moyano e Héctor Daer acusaram Milei de querer "destruir o Estado" e propuseram "luta até que se rejeite o DNU - o decreto, que também precisa da chancela do Congresso para produzir efeitos - para a Lei Ônibus".
Como a coluna já relatou, mas sempre é bom lembrar, o movimento sindical na Argentina tem muito mais força do que no Brasil. Não só por questões socioculturais, mas porque movimentam grandes quantias como intermediários na assistência médica aos trabalhadores. Por isso, têm musculatura financeira e logística para produzir grandes mobilizações como a desta quarta-feira (24).
Esse poder enfrentou desgaste popular nos últimos anos. Ao longo do governo de Alberto Fernández, marcado pelo aprofundamento da crise, quase não houve protestos. Como a vida não estava fácil, os sindicatos foram cobrados por não reclamar de nada. Uma das mudanças anunciadas às vésperas dos protestos foi a correção das aposentadorias - até março, subirão 35% ante inflação trimestral de 76%. Quando passar a ser mensal, será com dois meses de atraso. Esse é o risco que Milei corre: se os protestos deixarem de ser políticos e refletirem o desespero do empobrecimento, aí será problema.