O presidente argentino, Javier Milei, enfrenta nesta quarta-feira (24) a primeira greve geral convocada pela maior central sindical da Argentina. À resistência nas ruas soma-se a oposição no Congresso, que obrigou o governo a cortar 141 dos mais de 600 artigos do Decreto de Necessidade de Urgência (DNU), conhecido como "Decretaço", reenviado para os deputados na segunda-feira (22).
A manifestação é encabeçada pela Confederação Geral do Trabalho (CGT), que rejeita as reformas de Milei que limitam o direito à greve e o financiamento dos sindicatos. A manifestação, que começa às 12h (horário de Brasília), está programada para terminar à meia-noite. Ela deve reunir ferroviários, taxistas, trabalhadores de portos, do setor aeronáutico, além de funcionários de estatais.
— Nenhum sindicato está em posição de ceder nem um centímetro do que foi conquistado — disse Facundo Moyano, vice-secretário-geral da CGT.
A greve foi convocada no dia 28 de dezembro do ano passado, logo após Milei anunciar o "Decretaço", que altera 350 normas em diferentes áreas. Os artigos que tratam da reforma trabalhista haviam sido revogados pela Justiça, no início do ano. A suspensão temporária foi decidida na Câmara Nacional de Apelações do Trabalho. Em fevereiro, a Suprema Corte deve avaliar a constitucionalidade do projeto.
33 voos de ida e volta cancelados
A paralisação resultou no cancelamento de voos pelas companhias aéreas brasileiras, de acordo com levantamento no site da GOL e da Latam conduzido pelo G1. A Azul, por sua vez, não opera no país vizinho.
A análise identificou 33 cancelamentos de voos de ida e volta entre Brasil e Argentina programados para este 24 de janeiro. A GOL planeja 22 cancelamentos, enquanto a Latam apresenta 11 rotas canceladas e uma com status de atraso.
Em nota distribuída na sexta-feira (19) à imprensa, a Gol informou que todos os seus clientes terão seus voos remarcados para outras datas e poderão realizar a alteração sem custos, podendo, ainda, solicitar reembolso integral, de acordo com a vontade de cada passageiro. Para atender os clientes afetados, foram criadas pela Gol operações extras para os dias 25 e 26 de janeiro.
Também em virtude da greve nacional anunciada para esta quarta na Argentina, a Latam Airlines informou que está oferecendo alternativas para que os passageiros com voos nessa data possam fazer alterações na sua viagem. Entre elas, o passageiro pode reprogramar a passagem, sem custo adicional, até 15 dias após a data original da viagem. Outra opção seria o reembolso, ou seja, a devolução da passagem, sem custo adicional. De acordo com a Latam, o "status" do voo pode ser conferido em seu endereço eletrônico.
Simbolismo
Segundo Facundo Galván, cientista político da Universidade Católica Argentina (UCA), a greve tem caráter simbólico, porque a CGT é vinculada ao peronismo e oposição a Milei.
— A greve está relacionada à maior regulação do sistema de serviços sociais dos sindicatos — disse Ignacio Labaqui, analista da Medley Global Advisors.
Ele diz que nunca uma manifestação deste tamanho ocorreu em tão pouco tempo de um governo recém-eleito na Argentina.
Os sindicalistas também se opõem à chamada "Lei Ônibus", pacote de reformas que inclui privatizações, mudanças econômicas e contratuais. Se aprovado, ele dará ao Executivo diversas faculdades legislativas e criará um "estado de emergência" em vários setores — economia, segurança, defesa e saúde — até 31 de dezembro de 2025, que pode ser prorrogado por até dois anos.
Repressão
O governo disse que não "entende" as razões da greve e fez campanha para desencorajar o comparecimento. Milei prometeu descontar o dia de trabalho dos funcionários federais. O ministro da Justiça, Mariano Cúneo Libarona, ameaçou processar os grevistas. A ministra da Segurança, Patricia Bullrich, criou uma linha para denúncias de trabalhadores que se sintam ameaçados por piquetes.
Segundo analistas, a greve não deve afetar as negociações de Milei no Congresso, porque a oposição peronista, que aderiu aos protestos, não participa das conversas.
— Os opositores que estão negociando com Milei são de partidos ligados ao Juntos pela Mudança — disse Galván, da UCA, em referência à coalizão de Mauricio Macri, que se desfez após a eleição.
Para reduzir a resistência dos deputados, Milei reenviou, na segunda-feira (22), um projeto reduzido ao Congresso, tirando da lista de privatizações a petrolífera YPF, alterando regras de aposentadorias, exportações e recuando em mudanças no sistema eleitoral.
A pressão de atores, produtores e diretores também fez Milei recuar no corte de verbas para a indústria cinematográfica. O protesto teve apoio do espanhol Pedro Almodóvar, do mexicano Alejandro González Iñárritu e do finlandês Aki Kaurismäki, que assinaram um comunicado em defesa do cinema argentino.