As tempestades severas provocadas pela combinação entre o fenômeno periódico El Niño e a mudança climática marcaram 2023 de forma trágica no Rio Grande do Sul e continuam provocando estragos neste 2024 que embute uma eleição municipal.
Além dos desafios da prevenção, do socorro, do restabelecimento de serviços essenciais e da reconstrução, neste ano será preciso enfrentar a exploração política que reveste cada ação ou inação relacionada à vida nas cidades. Sempre há, mas será mais intensa nos próximos meses.
Em Porto Alegre, o prefeito Sebastião Melo levou ao paroxismo a inútil novela da cobrança de doação de geradores para as estações de bombeamento do Dmae, sob a alegação de que a demora no restabelecimento de energia era a responsável por milhares de cidadãos ficaram sem água.
Se o prefeito deixou sua digital na exploração política dos estragos, a oposição ensaia a criação de uma sabidamente inócua comissão parlamentar de inquérito (CPI) para investigar os motivos da demora no restabelecimento de luz - problema que tem instâncias de fiscalização estadual (Agergs) e federal (Aneel), mas nenhuma municipal - e de água.
No caso de Porto Alegre, até faz sentido que a Câmara de Vereadores discuta o abastecimento de água, prestado por uma estatal municipal. Mas se propor a "investigar" problemas no restabelecimento de energia elétrica é mera exploração política. Aliás, a "investigação" que caberia ser feita é por que, afinal, não há geradores nas estações de bombeamento de Porto Alegre. A coluna fez uma simples pesquisa e constatou o seguinte:
- O Saae (Serviço Autônomo de Água e Esgotos) de Mogi Mirim comprou um gerador de energia para uma nova unidade de um de suas estação de tratamento de água em novembro passado (leia aqui).
- Um mês antes, a Empresa Municipal de Água e Saneamento de Balneário Camboriú havia feito o mesmo: comprado geradores, no plural (aqui).
- Em 2018, antes que os eventos meteorológicos severos resultantes das mudanças climáticas mostrassem que se tornaram realidade antes do esperado, a Companhia Águas de Joinville, instalou gerador em sua maior unidade, a Estação de Tratamento de Água (ETA) do Rio Cubatão, não para enfrentar falta de luz, mas para economizar energia (aqui).
Há inúmeros outros exemplos, basta procurar. E, claro, não é só em Porto Alegre que há exploração política das perdas provocada por falta de luz e água por longos dias após uma tempestade. Os eleitores podem aproveitar a pouco usual exposição dessas fragilidades para o que mais lhes interessa: cobrar soluções sustentáveis, tanto do ponto vista econômico-financeiro (qual saída custa menos e resulta em mais benefícios) quanto ambiental (qual resposta pode contribuir, no futuro, para amenizar estragos). Foi o descompromisso com a questão ambiental que nos trouxe a esse cenário de repetição frequente de eventos severos.
A demora na religação de energia elétrica, precisa ser investigada, sim. Mas basta ver o histórico recentes das CPIs para prever que, caso a relacionada à mais recente demora no restabelecimento do serviço público essencial se concretize na Assembleia, será palco mais de exploração político-eleitoral do que para efetivo encaminhamento de soluções e responsabilizações.
Escolhas de políticas públicas precisam ter consequências, sim. Os gaúchos precisam de respostas efetivas, inclusive para a incapacidade de cobrar multas das empresas privadas que prestam serviços públicos. Não é razoável que 83 mil gaúchos ainda sofram há quase seis dias sem luz, nem mesmo depois de uma tempestade. A privatização desse tipo de atividade essencial só se justifica com fiscalização eficiente. Sem isso, é mais uma exploração política de problema público.