A dramática situação econômica em que a Argentina chega na semana anterior às eleições gerais no país terá um papel no voto do cidadão. Já teve, nas primárias que transformaram Javier Milei, da corrente política La Libertad Avanza, em favorito com possibilidade de ser eleito já no próximo domingo (22), em primeiro turno.
Uma das propostas de campanha de Milei é dolarizar de vez a economia argentina. No país, preços altos há mais de uma década já são determinados em dólares, como os de imóveis, carros e até eletrodomésticos. Foi o resultado das sucessivas crises que o país viveu. Mas uma das muitas perguntas que desenham o cenário de incerteza no país é: é viável?
Como se trata de uma das principais propostas de um dos principais candidatos - ainda que Milei se apresente como "anarcocapitalista" - o assunto é levado a sério. O Instituto Internacional de Finanças (IIF), que se apresenta como "associação global da indústria financeira", ou seja, uma entidade que representa os bancos, usou exatamente essa pergunta em um estudo aprofundado sobre a viabilidade no país vizinho.
Pelo sumário do estudo (disponível no site do IFF, mas só para membros, clique aqui se for), a resposta simples é "não": "a dolarização exigiria entre US$ 30 bilhões e US$ 40 bilhões, mas o banco central não tem mais reservas disponíveis. Captar dólares no mercado parece impraticável diante do pouco apetite de investidores estrangeiros por dívida".
Sem divisas à mão para dolarizar, a única forma de manter a promessa de campanha seria aplicar ao país uma "dolorosa recessão", com duro ajuste fiscal. A tradução numérica de "dolorosa" seria uma queda no PIB ao redor de 3,5%. E ainda que se projete uma grande retomada das exportações, aponta o estudo do IIF, será preciso provocar uma forte redução das importações. Em números, uma redução de 15% nas compras do Exterior permitiria obter cerca de US$ 20 bilhões em reservas.
Nesse caso, sobra para o Brasil: no ano passado, vieram daqui 19,6% das compras da Argentina, atrás apenas da China, com 21,5%, ou seja, em partes quase iguais. Ou seja, se for preciso cortar importações, será uma decisão que vai afetar negócios com o Brasil, especialmente com o Rio Grande do Sul que, pela proximidade geográfica e cultural, vende muito ao país vizinho.
A dolarização não é consenso nem entre os economistas que estão no entorno de Milei. Muitos fazem as mesmas contas apresentadas pelo IIF. Para dolarizar, o país precisaria desvalorizar o peso ainda mais - daí a suspeita de que o candidato tenha atuado conscientemente para "adiantar o trabalho". A inflação que já chega a 138% ao ano - só em setembro, bateu 12% em 30 dias - alcançaria outra órbita e agravaria o empobrecimento da população. Será que um presidente com esse "plano de governo" teria muito tempo de sacada na Casa Rosada?