Depois de um longo período de silêncio, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a provocar o mercado financeiro nesta sexta-feira (27), ao dizer que não quer, de fato, perseguir o déficit zero em 2024.
— Tudo o que a gente puder fazer para cumprir a meta fiscal, a gente vai cumprir. O que eu posso dizer é que não precisa ser zero. Não vou estabelecer uma meta fiscal que me obrigue a começar o ano fazendo corte de bilhões nas obras que são prioritárias nesse país — afirmou em café da manhã com jornalistas no Palácio do Planalto.
A bolsa, que vinha tendo um dia entre sobe e desce, ao sabor dos resultados trimestrais de empresas de capital aberto, passou a cair. Fechou com baixa de 1,28%, enquanto o dólar voltou para o patamar acima de R$ 5. Inclusive, porque o presidente usou a palavra "ganancioso" para se referir ao mercado. É verdade? É. Mas chefes de Estado sabem que nem sempre devem dizer verdades. Ainda mais Lula, que se candidata a fazer a chamada "diplomacia presidencial".
— Se o Brasil tiver um déficit de 0,5%, o que é? De 0,25%, o que é? Nada, absolutamente nada. Então vamos tomar a decisão correta e vamos fazer aquilo que vai ser melhor para o Brasil — acrescentou, mencionando o tamanho do rombo medido pelo percentual do PIB..
Para o mercado, não é surpresa que o governo não vá alcançar a meta oficial de déficit zero em 2024. No boletim Focus, que traz as projeções mais frequentes de uma centena de instituições financeiras e consultorias econômicas, a estimativa havia até melhorado, de 0,83% na semana anterior para 0,75% nesta. Mesmo assim, a definição da meta havia sido interpretada como um sinal de compromisso de que um novo governo do PT não faria a dívida pública explodir novamente.
Em entrevista à coluna, o economista Bráulio Borges havia afirmado, no mês passado, que caso o déficit não fosse zerado, mas ficasse abaixo da expectativa do mercado, poderia gerar "um bônus" para o governo, pelo reconhecimento do esforço. Nesse caso, afirmou, haveria menos pressão no câmbio e no juro longo. É o contrário do que se vê nesta sexta-feira (27), depois da declaração desnecessária do presidente. O dólar, que caía para se manter abaixo de R$ 5, voltou a subir. Como Lula disse, se o resultado do próximo ano ficar em 0,5%, poderia ser positivo. Ao menos, até hoje.
E se não colocou mais a perder citando os números de 0,5% e 0,25% - aliás, se o déficit em 2024 for de 0,25%, a meta terá sido cumprida, porque esse é o tamanho da margem de tolerância - Lula mostrou que não entendeu a regra fiscal que seu governo definiu: se estourar a meta em 2024, terá de cortar bilhões de qualquer maneira. Em 2025.
E se não bastasse colher pressão no câmbio e nos juros futuros, que podem desembocar em inflação, Lula contratou um desgaste totalmente evitável para seu ministro da Fazenda, Fernando Haddad, fiador do compromisso do ajuste. Um velho ditado afirma que palavras são prata, mas silêncio é ouro. Teria sido fácil evitar esse revés.