Ainda não há confirmação oficial, mas o primeiro vazamento sobre a suposta delação premiada do coronel Mauro Cid surgiu com a revelação, feita pela colunista Bela Megale, de O Globo, de reuniões entre o então presidente Jair Bolsonaro e a cúpula das Forças Armadas e ministros da ala militar para discutir detalhes de uma minuta que abriria possibilidade para uma intervenção militar.
Assim como o bombástico depoimento do hacker Walter Delgatti à CPI do 8 de Janeiro exigia cautela, pelo retrospecto do personagem, caso o relato de Cid venha a ser confirmado, terá muito peso.
Não só porque o ex-ajudante de ordens da Presidência afirmou ter vivido "99% do que aconteceu nos quatro anos de Bolsonaro". Seu envolvimento que vai da falsificação de cartões de vacina à venda de joias que deveriam ficar no patrimônio do Planalto sustenta a declaração. Além disso, o coronel hoje desprestigiado sempre foi caracterizado como um profissional com trajetória "impecável" no Exército - ao menos, até deixar de ser em algum ponto entre 2019 e 2022.
Também caso se confirme, é interessante a citação de uma "minuta" - no dicionário burocrático, uma espécie de rascunho de ideia ou projeto. O que agravou a situação jurídica do ex-ministro da Justiça de Bolsonaro, Anderson Torres, foi exatamente o que ficou conhecido como "minuta do golpe". Quando forem conhecidos os termos precisos e documentados da delação de Cid, será possível relacioná-los a outros indícios do quanto a coluna estava errada ao considerar "bravatas" as sucessivas ameaças de golpe feitas por Bolsonaro.
Até o horário em que esse texto foi publicado, não havia amparo documental ao vazamento, o que sempre requer cuidado. Mas uma das supostas revelações de Cid, a de que o então comandante da Marinha, almirante Almir Garnier Santos, teria dito que sua tropa estaria pronta para aderir ao golpe, já havia ganho uma chancela. Perguntando sobre o assunto, o ministro da Defesa, José Múcio - conhecido por ser respeitado nas Forças Armadas -, afirmou que Garnier "não estava ao lado da lei".
Então, cresce a percepção de que o Brasil escapou por pouco - muito pouco - de voltar a ser uma república de bananas, longe do Estado de Direito e dos princípios do livre mercado. Seremos devedores do civismo de parte das Forças Armadas, da vigilância dos tribunais e das mobilizações da sociedade civil, às quais parte importante do empresariado deu apoio.
Leia mais na coluna de Marta Sfredo