O tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL), revelou em depoimento de sua colaboração premiada com a Polícia Federal que o então presidente consultou a cúpula das Forças Armadas se receberia apoio, caso decidisse convocar novas eleições. É o que dizem jornalistas que cobrem política no Distrito Federal.
A informação vem ao encontro do que foi apurado por GZH ao longo do ano passado, durante os tensos dias que se sucederam ao pleito presidencial, marcados por bloqueios de estradas por parte de militantes bolsonaristas e apelos deles por uma intervenção militar que impedisse a posse do eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Na realidade, as sondagens de Bolsonaro sobre não reconhecer a possível vitória de Lula aconteceram pelo menos duas vezes. Uma delas, curiosamente, antes das eleições. Começaram em agosto, quando o Ministério da Defesa anunciou que participaria de uma auditoria sobre a inviolabilidade das urnas, atendendo a um pedido do então presidente, que duvidava da infalibilidade do equipamento eletrônico e instigou seus seguidores a pedirem a volta dos votos em papel impresso.
Em agosto ocorreu a Reunião do Alto-Comando do Exército (Race), com cinco reuniões entre o colegiado mais influente das Forças Armadas — os 16 generais mais graduados e o comandante-geral do Exército. Oficialmente, trataram de planejamento de ações militares variadas. Em reuniões informais, esse alto oficialato indicou que reconheceria o vencedor das eleições quando esse fosse anunciado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
A cúpula fez chegar os sinais ao ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, que informou a Bolsonaro a tendência entre seus subordinados: o vencedor levaria os louros.
O presidente continuou falando que o resultado da eleição poderia ser fraudado. Em 3 de outubro, em primeiro turno, Lula conquistou mais votos. E nada do resultado da auditoria. Em 30 de outubro, as urnas voltaram a dar o veredito, Lula ganhou o segundo turno, por apertada margem de votos. Apoiadores de Bolsonaro, inconformados, na mesma noite começaram a bloquear estradas. Dias depois acamparam em frente a quartéis, pedindo intervenção militar — um golpe, em outras palavras.
Dois dias depois, Bolsonaro fez discurso sobre o resultado das eleições, agradecendo os 58 milhões de votos recebidos, mas sem reconhecer a derrota. Confiava numa possível reviravolta. Em 9 de novembro, o ministério da Defesa anunciou o resultado da auditoria, colocando em desconfiança a inviolabilidade das urnas. Ressalte-se: o ministério é um órgão político, não representa a posição oficial das Forças Armadas. O PL, partido do presidente, chegou a usar essa checagem para questionar junto ao TSE a possível lisura do pleito. Foi rechaçado e multado, os ministros do tribunal deram vitória a Lula.
Foi por estes dias que teria surgido uma minuta sugerindo a decretação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) por parte das Forças Armadas, com tropas nas ruas, e convocação de novas eleições. O documento abria a possibilidade de prisão de adversários políticos e até de ministros do STF.
Este colunista conversou na época com integrantes do Alto Comando do Exército e voltou a conversar agora, após a delação de Mauro Cid. Eles confirmam que, ao longo desses dias de estradas e quartéis bloqueados, os oficiais-generais conversaram muito, sobretudo após a auditoria que apontou possíveis brechas na inviolabilidade das urnas. Em reuniões informais, a cúpula militar firmou posição majoritária pelo reconhecimento do vitorioso, Lula. Três comandantes de regiões importantes se posicionaram contra qualquer movimento militar relativo a eleições. Outros calaram, mas os líderes do Exército e Aeronáutica fizeram chegar ao presidente, via comandante, a tendência legalista de seus subordinados.
A exceção seria mesmo o comandante da Marinha, almirante Almir Garnier — que, segundo o que começa a vazar do relato de Cid, estaria disposto a tudo para defender a permanência de Bolsonaro no cargo. Coincidência ou não, Garnier deixou de comparecer à cerimônia em que deveria entregar o cargo para seu sucessor, escolhido por Lula.