
A Polícia Federal (PF) deflagrou na manhã desta quarta-feira (3) a Operação Venire, com foco na investigação de possíveis inserções de dados falsos de vacinação contra a covid-19 no sistema do Ministério da Saúde.
Durante a operação, foram cumpridos 16 mandados de busca e apreensão e outros seis mandados de prisão preventiva. Na ação, o celular do ex-presidente Jair Bolsonaro foi apreendido, e o ex-ajudante de ordens dele durante seu mandato, o coronel Mauro Cid, foi um dos presos pelos policiais.
As ordens foram expedidas no âmbito do inquérito das milícias digitais, que tramita sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes no Supremo Tribunal Federal (STF).
O que aponta a investigação
De acordo com a PF, a investigação apontou que possíveis inserções de informações falsas no sistema do Ministério da Saúde teriam ocorrido entre novembro de 2021 e dezembro de 2022, que teriam tido como consequência a mudança da condição de vacinado contra a covid-19 de alguns beneficiários, entre eles, Bolsonaro.
Como resultado dessa modificação, ainda segundo a PF, esses beneficiários puderam emitir os respectivos certificados de vacinação e utilizá-los para burlar as restrições sanitárias vigentes no Brasil e nos Estados Unidos.
A investigação da Polícia Federal indicou que o objetivo do grupo com essas modificações seria sustentar em público o discurso voltado aos ataques à vacinação contra a covid-19.
Também conforme a PF, estes fatos poderiam configurar em tese os crimes de infração de medida sanitária preventiva, associação criminosa, inserção de dados falsos em sistemas de informação e corrupção de menores.
Quem teria sido beneficiado
A inserção de dados falsos teria beneficiado Jair Bolsonaro, sua filha de 12 anos, o tenente-coronel Mauro Cid, além da filha e da esposa do antigo ajudante de ordens.
Segundo relatório da Polícia Federal (PF), os registros de vacinação de Bolsonaro e da filha de 12 anos foram inseridos no sistema em 21 de dezembro passado, pouco antes de viajarem para os Estados Unidos.
"Após a data de inserção dos dados falsos de vacinação contra a Covid-19 nos sistemas do Ministério da Saúde, o usuário associado ao ex-presidente Jair Bolsonaro emitiu o certificado de vacinação contra a covid-19, por meio do aplicativo ConecteSUS", afirma o relatório da PF.
Chamou atenção dos policiais federais, ainda, o intervalo de tempo entre a data em que os investigados teriam tomado as vacinas e a data em que os dados foram inseridos no sistema. No caso de Bolsonaro, por exemplo, ele teria recebido as doses em agosto e outubro, conforme dados que constam no relatório da PF. Mas o registro só entrou no sistema em dezembro.
Presos na ação desta quarta-feira
- O tenente-coronel Mauro Cid Barbosa, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro
- O policial militar Max Guilherme e o militar do Exército Sérgio Cordeiro, que atuavam na segurança de Bolsonaro
- João Carlos de Sousa Brecha, secretário municipal de Governo de Duque de Caxias (RJ), cidade onde as inserções teriam sido feitas
- O sargento do Exército Luís Marcos dos Reis, que integrava a equipe de Mauro Cid
- Ailton Gonçalves Moraes Barros, candidato a deputado estadual pelo PL do Rio de Janeiro em 2022
Manifestação de Jair Bolsonaro
A jornalistas, na saída de sua casa, em Brasília, ainda pela manhã, Jair Bolsonaro reiterou que não foi vacinado, e negou que tenha adulterado qualquer documento.
— Não existe adulteração da minha parte. Não tomei a vacina, ponto final. Nunca neguei isso — enfatizou.
Questionado sobre a suspeita de que teria utilizado um documento falso para conseguir entrar nos Estados Unidos, o ex-presidente afirmou que "nunca me foi pedido cartão de vacina em lugar nenhum". Sobre a filha, o ex-presidente também afirmou que ela não se vacinou.
— Minha filha Laura não tomou vacina — confirmou o ex-presidente, argumentando que decidiu não imunizar a sua filha pois ela teria "um atestado" que a dispensaria desta necessidade.
Mais tarde, a ex-primeira dama, Michelle Bolsonaro, fez uma publicação nas redes sociais afirmando que, em sua casa, só ela teria se vacinado.
Investigação da CGU
No último mês de fevereiro, o ministro da Controladoria-Geral da União (CGU), Vinicius Carvalho, já havia afirmado que era preciso concluir apuração sobre a possibilidade de adulteração do cartão de vacinação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) antes de decidir por divulgar o documento ou manter o sigilo de cem anos imposto pelo governo passado.
A CGU já investigava, na época, se havia algum tipo de adulteração no cartão de vacinação de Bolsonaro. Segundo apuração, o processo verificava se houve inserção ou mesmo retirada de dados do cartão do ex-presidente.
Decisão de Alexandre de Moraes
Na tarde desta quarta-feira, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), retirou o sigilo da decisão que autorizou a busca na residência do ex-presidente Jair Bolsonaro. Ao permitir a operação, Moraes considerou "plausível" a linha de investigação que sugere que Bolsonaro possa ter inserido informações falsas sobre vacinas para obter vantagens. Além disso, o ministro mencionou a possibilidade de haver uma "organização criminosa" que altera dados de vacinação.
"Diante do exposto e do notório posicionamento público de Jair Messias Bolsonaro contra a vacinação, objeto da CPI da Pandemia e de investigações nesta Suprema Corte, é plausível, lógica e robusta a linha investigativa sobre a possibilidade de o ex-presidente da República, de maneira velada e mediante inserção de dados falsos nos sistemas do SUS, buscar para si e para terceiros eventuais vantagens advindas da efetiva imunização, especialmente considerado o fato de não ter conseguido a reeleição nas Eleições Gerais de 2022", escreveu o ministro.
Conforme também afirmou Moraes, os sinais de delito são "significativos" e a suposta associação criminosa não somente buscou obter vantagens pessoais, mas também desacreditar o sistema de imunização do país.
"São absolutamente relevantes os indícios da ocorrência efetiva dos crimes, especialmente no contexto agora noticiado de inserção de dados falsos em sistema de informações, o que indicaria, nos termos dos indícios já colhidos, a efetiva existência de uma organização criminosa articulada, com divisão de tarefas e de múltiplos objetivos, tanto no âmbito particular dos investigados, como em aspectos relacionados ao interesse público, em detrimento da credibilidade interna e externa do exemplar controle de vacinação nacional em pleno período pandêmico", continuou o ministro. Veja a decisão de Alexandre de Moraes na íntegra.