Com a aposta de corte de 0,5 ponto percentual ganhando volume no mercado - embora a majoritária ainda seja a de 0,25 p.p. - , além de inflação comportada, câmbio em baixa e melhor avaliação sobre a trajetória da dívida, há outra variável a ser considerada na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC): sua nova composição.
Para lembrar, na ata da reunião de junho, o BC assumiu uma divisão entre os oito diretores que compunham o colegiado - um a menos do que o habitual porque o diretor de política monetária que antecedeu Gabriel Galípolo, indicado pelo atual governo, já havia saído.
No item 19 da ata (para ler o original, clique aqui), foi detalhada a discordância entre os integrantes sobre o tamanho da fresta para corte de juro em agosto identificado há cerca de 40 dias:
"19. Nesse debate, observou-se divergência no Comitê em torno do grau de sinalização em relação aos próximos passos. A avaliação predominante foi de que a continuação do processo desinflacionário em curso, com consequente impacto sobre as expectativas, pode permitir acumular a confiança necessária para iniciar um processo parcimonioso de inflexão na próxima reunião. Outro grupo mostrou-se mais cauteloso, enfatizando que a dinâmica desinflacionária ainda reflete o recuo de componentes mais voláteis e que a incerteza sobre o hiato do produto gera dúvida sobre o impacto do aperto monetário até então implementado. Para esse grupo, é necessário observar maior reancoragem das expectativas longas e acumular mais evidências de desinflação nos componentes mais sensíveis ao ciclo. Entretanto, os membros do Comitê foram unânimes em concordar que os passos futuros da política monetária dependerão da evolução da dinâmica inflacionária, em especial dos componentes mais sensíveis à política monetária e à atividade econômica, das expectativas de inflação, em particular as de maior prazo, de suas projeções de inflação, do hiato do produto e do balanço de riscos."
Então, em primeiro lugar, esse grupo cético sobre a "reancoragem das expectativas" ficou ainda mais minoritário com a chegada de Galípolo e do diretor de Fiscalização, Ailton Aquino. Em segundo, a menos que seja composto por profissionais enviesados, vai ser difícil sustentar a posição de que falta convergência nas projeções de inflação. Aliás, a especulação que circula no mercado é de que o presidente do BC, Roberto Campos Neto, não está nesse grupo, mas no majoritário, que abriu a fresta para corte de juro daqui a pouco mais de 24 horas.
Aliás, é bom lembrar: o corte de juro previsto para quarta-feira (2) vai evitar - por apenas um dia - que o BC receba um bolo com velinha para o aniversário de um ano da Selic a 13,75%. E com exceção dos dois indicados pelo atual governo, a composição predominante do Copom é a mesma que elevou o juro a esse patamar estratosférico a dois meses da eleição. Quando a coluna afirma que o BC pode passar vergonha se cortar menos de 0,5 p.p., não se refere a supostos vieses políticos, mas econômicos: o debate técnico entre economistas pode ser tão quente e "ideológico" quanto o político.
Como ficou claro também na última ata, o Copom já não persegue a meta no ano-calendário, ou seja, até dezembro. Já usa o eufemismo "horizonte relevante" para se antecipar à mudança definida na reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN) de junho, de que a partir de 2025 a meta de inflação em 3% ao ano será contínua.
E nesse "horizonte relevante", tudo converge: pelo boletim Focus do BC, que consulta cerca de uma centena de economistas de mercado e de consultorias econômicas - a nova projeção mais frequente de inflação para 2023 é de 4,84% - falta 0,09 ponto porcentual para ficar dentro do teto da meta - e segue dentro do intervalo de tolerância (teto seria 4,5%), em 3,89%. Até os núcleos de inflação - grupos de produtos que podem sinalizar alta de preços à frente - estão acomodados, conforme o IPCA-15. Ou seja, é preciso insistir: não há razão para não cortar 0,5 p.p., inclusive porque o efeito líquido no consumo será irrelevante.