Se costuma ser o elo mais forte do governo com o mercado e com o Congresso, desta vez o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tropeçou na estratégia: defendeu publicamente a ideia de pagar exportadores brasileiros à Argentina em yuan, a moeda chinesa - e nem os argentinos toparam.
A intenção era substituir o dólar, escasso no país vizinho, e aproveitar a aceleração dos negócios com a China por lá para evitar atrasos que os brasileiros enfrentam no recebimento. Só que a Argentina e preferiu usar o Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF, que nasceu como Corporación Andina de Fomento, daí a sigla).
Embora Haddad tenha mencionado que a ideia de passar pelo yuan siga em pé, o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro faz uma ironia: diz que dólar e euro são moedas conversíveis, enquanto a moeda chinesa é "inconversável".
Embora haja poucos detalhes sobre o mecanismo acionado no CAF, o ministro da Economia da Argentina, Sérgio Massa - e candidato governista à eleição presidencial -, sinalizou que o foco da iniciativa são alimentos - para não piorar a inflação que já passou de 100% ao ano - e autopeças, fundamentais para que seu país cumpra as entregas de veículos ao Brasil. Afinal, a linha da CAF envolve escassos US$ 600 milhões, enquanto as exportações brasileiras mensais alcançaram cerca de US$ 1,6 bilhão em julho.
— Ainda é um anúncio de um mecanismo de garantia das exportações brasileiras, então, ainda é um cenário um pouco indefinido. Precisaremos ver como vai funcionar na prática, pendendo ainda inclusive de uma confirmação do próprio CAF, que deve ocorrer em setembro. Para o Rio Grande do Sul, a Argentina é um parceiro comercial fundamental. Hoje já cerca de 900 empresas gaúchas vendendo para lá. Se a medida de fato conseguir normalizar um pouco o fluxo de comércio com os argentinos, será muito importante, pois hoje recebemos muitas reclamações de exportadores que têm dificuldades em receber — afirma Luciano D'Andrea, gerente de relações internacionais e comércio exterior da Fiergs.
Para a Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), a medida pode ser benéfica, dado o grande volume de exportações do Brasil à Argentina e os entraves recentes que se estabeleceram no comércio entre os países. Em nota à coluna, a entidade afirma que "a discussão acerca de mecanismos de financiamento ao comércio bilateral entre os dois países é extremamente benéfica e válida, na medida em que a escassez de divisas do país vizinho tem resultado em uma série de entraves ao comércio, como as restrições de acesso ao mercado único de câmbio, com prazos de 180 dias para recebimento das exportações ao país".
Para o segmento, é ainda mais estratégico, porque cerca de 20% do consumo de calçados na Argentina vem de importações, e o Brasil é o principal exportador de sapatos para o país. Mas a Abicalçados destaca que os US$ 600 milhões mencionados podem não ser suficientes diante da exportação média de US$ 1,6 bilhão ao mês para a Argentina neste ano.
Como as autopeças seriam prioridade nessa operação, a Frasle, empresa do grupo Randoncorp, tem visão mais otimista:
— Nossa avaliação sobre a medida é positiva. A Argentina é um dos principais parceiros comerciais do Brasil, que sempre buscou estratégias para manter investimentos de suporte ao mercado do país vizinho. Temos negócios de longo prazo com clientes na Argentina, e operações no país desde a década de 1990. Aumentamos nossa participação com a aquisição da Armetal Autopartes, em 2017, e percebemos a dificuldade em manter o fluxo de negócios com a restrição de licenças de exportação e oscilações da moeda e crédito. Entendemos os desafios da economia argentina neste momento e somos parceiros em aplicar alternativas que privilegiem a manutenção das relações econômicas entre os dois países. A garantia via CAF pode ser uma alternativa concreta para isso — afirma o diretor de relações com investidores da Frasle Mobility, Hemerson de Souza.
* Colaborou Mathias Boni