O jornalista Anderson Aires colabora com a colunista Marta Sfredo, titular deste espaço
Sócio-fundador e administrador do escritório de advocacia empresarial Andrade Maia, Fabio Brun Goldschmidt esteve reunido recentemente com o relator da reforma tributária, deputado federal Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), e empresários, discutindo o melhor caminho para a mudança no sistema. Especialista nas áreas tributária e de Direito administrativo, Goldschmidt também tem grande experiência junto ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), do qual já fez parte.
A reforma tributária que está se desenhando no Congresso simplifica o sistema?
Sou bastante crítico às propostas que estão em debate, que são as PECs 45 e 110, que devem ser aglutinadas pelo relator, deputado Aguinaldo Ribeiro. Elas não atendem aos dois principais problemas do nosso sistema, que é a complexidade e o alto custo. Elas caminham na direção contrária, tornam extremamente mais complexo o sistema. Esse nosso IVA, que ganhará o nome de IBS, será acompanhado de outros tributos que seriam o CBS e o imposto seletivo. Então, seriam três novos tributos, que vão demandar a realização de uma regulamentação do zero. Tem o desmonte de estruturas já existentes para criação de novas, que geram custos adicionais. E os tributos criados terão que conviver com os existentes por seis a sete anos em períodos de transição. Os sistemas serão sobrepostos. Além disso, existiria um terceiro trabalho que é o de compatibilização dos dois sistemas. Entre outros problemas, as propostas em debate mexem substancialmente na distribuição de competências entre os entes federados e podem sofrer sérios ataques em termos de constitucionalidade. Porque elas na prática, no mínimo, vamos dizer assim, tem impacto no desenho das competências federativas tributárias. Então, certamente vai ter gente levando isso ao STF para discutir a possibilidade de se mexer em tema que é cláusula pétrea.
Como está a discussão no âmbito dos setores sobre equilíbrio da oneração?
Ainda está um pouco atrasada. Consigo ver as empresas, mesmo as grandes empresas, recém começando a se movimentar. Os serviços e o comércio vão ser pesadamente impactados. Porque, diferentemente da indústria que agrega diversos componentes e toma crédito de diversos componentes para então vender, o comércio não tem isso. Ele compra e vende. Tem uma não cumulatividade relativizada. Mas já existe uma preocupação crescente sendo vislumbrada por diversos setores e, inclusive, por entes federados.
Qual seria o principal movimento para evitar uma sobrecarga em apenas um setor?
Não existe como escapar da existência de diversas alíquotas, diversas bases de cálculo, de acordo com especificidades existentes. É falacioso esse anúncio de que nós vamos tentar ter uma alíquota só, porque as próprias reformas acabam abrindo uma margem, no apagar das luzes, para um balcão de negociação de vantagens em termos de benefícios tributários, de tratamento diferenciado. Essa brecha é prejudicial, porque provoca prejuízo no balanceamento do sistema como um todo.
Não existe como escapar da existência de diversas alíquotas, diversas bases de cálculo, de acordo com especificidades existentes
O senhor participou recentemente de uma reunião com o relator da proposta e empresários. Quais foram os principais pontos levantados?
A questão do número de horas e do custo Brasil, de administração tributária, foi muito ressaltada tanto pelos integrantes da indústria quanto pelos do varejo. Eles demonstraram grande preocupação com esse custo Brasil ser arrastado e ainda aumentado por mais sete anos. O pessoal do agro tem uma preocupação muito grande, porque a reforma está fazendo de conta, até o momento, que o agro não merece um tratamento especial e isso causa uma grande insegurança.
Qual seria a base de uma reforma tributária ideal?
Número um, unificação do ICMS. Número dois, unificação do ISS. Número três, unificação dos órgãos de interpretação desses impostos. E número quatro, unificação da não cumulatividade em todas as frentes. Leia-se PIS/COFINS, ICMS, IPI, que deveriam ter uma não cumulatividade única.
E pensando no Congresso, na questão da discussão, isso seria crível ou teria uma resistência?
É. Existe uma proposta que hoje não está tão badalada, que é o chamado Simplifica Já. É a PEC 46. Ela não é a que tá, vamos dizer assim, correndo na frente como a 45 e a 110, mas é a que mais se aproxima dessas soluções simples, práticas e que não reviram o Brasil de cabeça pra baixo.
Existe a possibilidade da reforma atingir alguns desses objetivos levantados pelo senhor?
Eu acho que tem a possibilidade, mas vai demandar uma ação muito enérgica do setor de serviços e do varejo, se posicionando para evitar esse aumento de custo Brasil, que é trazido por essas reformas desnecessariamente.
Teve um aumento na busca por auxílio jurídico por parte das empresas diante da discussão da reforma tributária?
Normalmente isso se dá em duas fases. A primeira é ainda na fase de discussão de propostas, encabeçada por grandes empresas que querem se antecipar e talvez poder participar da discussão das propostas. É nesse momento em que nós nos encontramos. As empresas médias ou pequenas normalmente se preocupam só com as propostas pós-aprovação. Como lidar, como tratar, como se reorganizar. E aí é o segundo momento em que esse grupo passa a procurar a consultoria jurídica para se organizar.
Qual a avaliação do senhor sobre a questão das renúncias fiscais?
Eu acredito que o foco está errado. Na verdade o problema não são as chamadas renúncias fiscais. Eu não acho que seja equivocado do ponto de vista filosófico não tributar, por exemplo, hospitais e escolas. O que eu acho extremamente equivocado e que ainda não foi suficientemente endereçado é não tributar jogos de apostas, que deveriam ser pesadamente tributados. E ainda a própria questão da aprovação do jogo, claro devidamente regulamentado, poderia certamente ser responsável por um aumento de arrecadação em cima de atividades que merecem de fato suportar uma carga tributária pesada, que não deve ao contrário onerar os setores produtivos.
Não tem lógica nenhuma você “punir” aquele que contrata e dá um emprego pra alguém.
Como está a discussão sobre essa questão da desoneração da folha entre os setores? A conversa com o governo está sinalizando um bom entendimento ou existe uma preocupação nesse ponto entre o empresariado?
Por incrível que pareça, aspectos em debate não se dedicam a isso. A desoneração da folha precisa ser enfrentada porque na minha visão ela é um dos principais entraves ao crescimento das empresas brasileiras e do emprego. Não tem lógica nenhuma você “punir” aquele que contrata e dá um emprego pra alguém.
Como as empresas do varejo estão lidando com esse impasse envolvendo a questão da taxação de sites como Shein e Shopee? Qual a avaliação do senhor sobre o tema?
Esse assunto é muito sério. E, de fato, hoje esse comércio é ilegal, e é importante dizer que é ilegal, porque é baseado em importação não regular de produtos por meio dessas plataformas. Existe um problema na licitude não só das atividades em si, mas outro, muito grande, de fiscalização e estadual. Sem contar a falta de controle das atividades de câmbio de alguns operadores para viabilizar essas compras.
Voltando para a reforma tributária, qual a opinião do senhor sobre o IVA dual?
É duas vezes pior. É uma duplicação do problema. É mais um item na pauta, mais um tema a ser endereçado, a ser entendido, a ser implementado, a ser regulamentado, a ser controlado.
Qual o tempo de transição seria ideal e aceitável para reforma tributária?
Depende. No sistema que estou sugerindo, esse da PEC 46, não haveria nenhuma necessidade de tempo de transição, porque não se troca o sistema. Simplesmente se melhora o existente. Isso não dói nem para arrecadação nem pro contribuinte. Agora, nas propostas 45 e 110, a transição sempre vai ser dolorosa. O que eu acho que seria a única maneira de garantir, vamos dizer assim, a veracidade da pretensão da reforma de não aumentar a carga particularmente eu não acredito, mas é o que se anuncia, seria garantir aos contribuintes o direito de que a sua carga individual não seja aumentada ou ainda não seja aumentada em percentual superior a X por cento. Se isso for garantido a transição pode ser rápida.