Embora a explicitação do "agora não" para o aumento da meta da inflação tenha sido a mais relevante informação da entrevista do presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto ao Roda Viva, na noite de segunda-feira (14), houve uma longa lista de recados.
Às questões mais constrangedoras, que envolveram ter votado nas eleições presidenciais usando camisa amarela - com autonomia do BC já aprovada - respondeu que as eleições haviam sido "legítimas" e que fará "tudo ao meu alcance para aproximar o BC do governo".
Mais do que isso, mencionou a prova da isenção efetiva no cargo lembrando que o BC elevou a Selic para 13,75% em ano eleitoral - como a coluna já lembrou várias vezes. E que Paulo Guedes, quando estava no Ministério da Economia, também ligava para reclamar das decisões do BC.
Quase ao mesmo tempo, enquanto petistas desfiavam novas críticas ao BC em jantar comemorativo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não citou a instituição. Será mesmo uma trégua? Se for, é bom para todos, principalmente para os cidadãos brasileiros, que não terão de pagar a conta de mais uma disputa de poder na forma de alta de juro de mercado e maior risco de inflação. Sobre a convocação - naquele momento, ainda uma hipótese -, disse com naturalidade:
— É o meu trabalho, vou quantas vezes forem necessárias.
Mas ao dizer que "se a gente fizer uma mudança (aumento na meta) agora, sem ter ambiente de tranquilidade, o que vai acontecer é que você vai ter efeito contrário ao desejado", Campos Neto deixou uma janela aberta. O "ambiente de tranquilidade", acrescentou depois, pode ser conquistado nos próximos meses, com a apresentação do marco fiscal e o encaminhamento da reforma tributária. Para criar esse clima, observou, não precisa nem ter tudo aprovado, pode ser quando "as comissões estiverem encaminhadas":
— À medida que as reformas avancem, podemos voltar a ter uma situação como a de dezembro (em que se projetava início do corte de juro para junho), talvez até melhor. Mas temos de fazer um aprimoramento total do sistema de metas, não simplesmente aumentar a meta.
Ou seja, em circunstâncias específicas, aumentar a meta não é um tabu, sinalizou RCN - como é conhecido no mercado. Esse "aprimoramento", detalhou, vem sendo estudado desde 2017 que "vai ser discutido no CMN" para "servir como suporte". Disse que quem apresenta a proposta de mudança é o presidente do conselho, hoje o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
Sobre Haddad, disse que o ministro está “superbem intencionado”, mas deixou escapar um comentário ligeiramente mais elogioso a outra integrante da equipe econômica e do CMN, a ministra do Planejamento, Simone Tebet. Habilidoso, disse duas vezes que seria "deselegante" opinar sobre política fiscal, um assunto que não corresponde ao BC, e ainda que seria "indelicado" falar sobre a estratégia do BNDES. Se é "deselegante" e "indelicado" falar sobre temas da alçada de outras instituições, vale também para as críticas que tem sido feitas no governo ao BC.
Mas além de leve ironia, empunhou a bandeira branca. Não só desfiando um repertório direto - "quero estar próximo do governo e atuar com o governo", "quero trabalhar em harmonia", e o já citado "farei tudo o que estiver ao meu alcance para aproximar o Banco Central do governo" - buscou identidade com o presidente Lula na questão social:
— Toda a agenda do Banco Central é social. A gente acredita que é possível fazer fiscal junto com o bem-estar social. Mas a gente acredita que é muito difícil ter bem-estar social com inflação descontrolada.
Citou Pix - lembrando que, na campanha, quando o adversário de Lula buscou crédito pelo meio de pagamento, sempre disse que era criação dos "funcionários do BC" - open finance, crédito cooperativo e microcrédito para afirmar que é possível reforçar essa "agenda social". E reiterou:
— Trabalhar em um ambiente colaborativo melhor para a sociedade
Outro esforço grande de RCN foi de modéstia. Como 11 em cada 10 presidente do BC são considerados arrogantes, fez tudo o que podia para evitar a pecha. Disse que as decisões não são dele, mas de um colegiado formado por nove diretores. Perguntado se, no limite da pressão, deixaria o cargo, disse ser "irrelevante" para a instituição como indivíduo - e avisou que não pedirá demissão, por compromisso com quem apoiou a aprovação da autonomia.
Atualização: depois de desfraldar a bandeira branca no Roda Vida, Campos Neto voltou a fazer uma discurso mais do que conciliador nesta terça-feira (14) em evento do BTG Pactual:
— O investidor é muito apressado, é muito afoito, e acho que precisamos ter um pouco mais de boa vontade com o governo.