Um dos maiores especialistas em questões fiscais do Brasil agora é um pouco gaúcho. Depois de comandar a Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado e a Secretaria da Fazenda de São Paulo, Felipe Salto se incorporou à Warren Renascença, resultado da aquisição da corretora pela startup de finanças gaúcha. Já atua como economista-chefe especialista em política fiscal. Afinal, é o assunto dominante neste Brasil de 2023, ano que só vai começar de verdade quando o atual governo apresentar seu modelo para controlar o avanço da dívida pública. Foi, portanto, o principal assunto desta entrevista.
Tudo no Brasil agora depende do novo marco fiscal?
O secretário do Tesouro, Rogério Ceron, já deu informações importantes sobre a nova regra. Até agora, o ministro (Fernando) Haddad (da Fazenda) tem sido feliz nas decisões. Disse o que precisa ser dito. Apresentou o pacote fiscal em janeiro. Na nossa avaliação, há R$ 64 bilhões em medidas factíveis. Mas a regra fiscal, de fato, é fundamental. Quando esse desenho for definido, ancora as expectativas e pode mostrar que a dívida pública pode voltar a ser sustentável. Isso facilita a vida do Banco Central em relação ao juro. Se não cai, um dos motivos é essa indefinição. E boa parte da culpa é do governo anterior, que fez uma série de mudanças na Constituição que foram dilapidando o teto de gastos.
A tendência é manter uma espécie de teto?
Pelas declarações do secretário, mantém o teto com algumas modificações. Fica vinculado ao crescimento adicional da receita. Não será uma regra draconiana como o teto atual. Apesar da falta de flexibilidade, gerou efeitos positivos por um bom período, como a redução do custo médio da dívida. A ideia, pelo que foi dito, é evoluir para uma regra mais sofisticada. Minha avaliação, com base nessas informações, é positiva. Tendo um bom desenho da regra, dá para avançar rápido. O teto original foi aprovado com relativa rapidez. Até porque o marco fiscal não define onde vai gastar mais ou menos, que é quando os políticos ficam mais em cima Aprovar a regra fiscal será mais fácil do que a reforma tributária. Pode ser um primeiro passo para dar credibilidade.
Analiso contas públicas há mais de 15 anos, fui secretário da Fazenda. Com essa experiência, olho para o que está sendo anunciado e acho que é crível.
Pelo que se sabe até agora, caminha bem?
Os sinais do ministério sobre o marco fiscal tem sido bons. Analiso contas públicas há mais de 15 anos, fui secretário da Fazenda. Com essa experiência, olho para o que está sendo anunciado e acho que é crível. Só precisa apresentar a proposta logo, para discutir. Já se sabe que vão chamar um grupo de especialistas para debater. É bom, mostra boa vontade para ouvir opiniões. Partiram de várias propostas que havia na mesa. Eu formulei uma, que mandei para (Geraldo) Alckmin (vice-presidente e Ministro do Desenvolvimento), há uma feita por Armínio Fraga e Marcos Mendes e ainda outras.
Seria um teto de gastos aperfeiçoado?
O secretário sinaliza que está pensando em manter a regra de gastos, sem fazer cavalo de pau. É minha leitura do que estão declarando: uma evolução para uma nova regra fiscal.
O fato de manter o gasto como meta é essencial?
Acredito que a dívida tem de ser uma referência. Não para tem dum limite numérico, mas precisa ter um limite tendencial para definir quando precisa conter gastos ou quanto precisa arrecadar a mais. É importante que a trajetória seja bem calculada. E tudo precisa ser considerado: gasto, resultado primário e até eventuais ganhos com medidas de arrecadação.
Não é crime mudar a meta. As condições estruturais do Brasil ainda não permitem inflação tão baixa. Ao contrário da autonomia, essa é uma discussão legítima e importante.
O responsável pela implantação do sistema de metas sustenta que 3% é muito baixo para o Brasil, você concorda?
Sim, concordo com o Werlang. Não é crime mudar a meta. As condições estruturais do Brasil ainda não permitem inflação tão baixa. Ao contrário da autonomia, essa é uma discussão legítima e importante. Assim que foi superada a questão da regra fiscal, porque esse é um fator crítico, pode haver uma transição para que o BC tenha mais segurança. Aí o Conselho Monetário Nacional (CMN) pode fazer a discussão da meta.
Mas poderia haver mudança já nos próximos dias, como se especula?
O CMN vai ser reunir, aí vamos entender melhor o quadro, o presidente do BC vai dar uma entrevista antes, é positivo. Deve deixar mais clara a importância de manter a autonomia e quais os ganhos da sociedade com isso.
O mercado teve mais boa vontade com Bolsonaro do que com Lula?
O mercado é pragmático. Na democracia, um Estado forte também depende do mercado. Independentemente do viés político-ideológico, busca ter decisões estratégicas, as mais eficientes possível para gerar mais ganhos. No governo anterior, a lei da autonomia foi bem recebida, porque melhorou a visão do mercado. Mas também houve muitos erros em outras áreas, com as mudanças em série do teto. E positivas, com o controle da dívida.
A PEC dos Precatórios foi uma grande pedalada constitucional. Foi calote do calote, porque precatórios são originados por despesas que já deveriam ter sido saldadas e não foram.
Como você vê o superávit de 2022? É real ou fictício, porque teve precatórios não pagos?
Teve superávit, ponto. Foi originado por fatores atípicos e não atípicos. Neste ano, não vai haver, há um déficit previsto de R$ 231 bilhões. Sabemos que vai ser menor, por efeito do pacote fiscal anunciado em janeiro. Só em receita subestimada, apontamos R$ 55,8 bilhões (significa que a arrecadação deve ser maior nesse valor). A PEC dos Precatórios foi uma grande pedalada constitucional. Foi calote do calote, porque precatórios são originados por despesas que já deveriam ter sido saldadas e não foram. E em 2022, o Estado não pagou nem quando a Justiça mandou. Esse é um tema que terá de ser revisitado. Exige uma solução estrutural que não é trivial. Não dá pra ficar empurrando R$ 50 bilhões de precatórios todo ano.