No momento em que a Americanas começa a dispensar pessoal e recorrer à Justiça para manter serviços de água e luz em suas lojas, cresce a responsabilidade de seus três sócios de referência, os mais ricos do Brasil.
No mercado, circula a informação de que os três, donos de uma fortuna estimada em R$ 140 bilhões antes da crise que erodiu parte desse patrimônio, estariam dispostos a injetar R$ 1 bilhão para manter a companhia em operação, diante dos evidentes sinais de problemas.
Semanas atrás, acenaram com R$ 6 bilhões para evitar a recuperação judicial, e os credores acharam pouco. Agora, R$ 1 bilhão pode fazer a diferença entre mais e menos estragos, tanto no mercado quanto à imagem já muito afetada dos três bilionários que até agora eram referências de gestão corporativa.
Especialmente por meio da Fundação Lemann, parte da fortuna obtida com negócios como a Americanas, a gigante global Inbev e a rede Burger King volta para a sociedade. É uma exigência do século 21. A fundação se apresenta como "organização de filantropia familiar, nascida em 2002, a partir do desejo de construir um Brasil mais justo e avançado (destaque da coluna). É impossível atingir esse objetivo da forma como está sendo conduzida a recuperação judicial das Americanas.
Na imensa lista de quase 8 mil "credores", está incluída a quantia de R$ 64.842.121,99 em créditos trabalhistas. Para a sobrevivência desse grupo, esse valor é muito mais estratégico do que os R$ 5,2 bilhões devidos ao Deutsche Bank. Além disso, o "pendura" de R$ 234 para a rede Salgados Olga - um dos menores valores listados como dívida com fornecedores - causa muito mais impacto do que os cerca de R$ 14 milhões que a Americanas espetou com big techs como Facebook e Twitter.
Pelas regras da recuperação judicial no Brasil, não há diferenciação entre os credores, por mais que um simples exame da lista aponte diferenças flagrantes para a sobrevivência de cada um. Para que o trabalho da Fundação Lemann - mantido por um dos maiores sócios da Americanas - faça sentido, é preciso manter a coerência com esse momento que vai marcar a história do 3G Capital. Ou vai comprovar que a preocupação social é genuína, ou vai carimbar a iniciativa como mera peça de marketing.
Essa é uma decisão importante e que vai além da Americanas: a atitude de Lemann, Telles e Sicupira pode colocar em xeque todo o avanço das práticas ESG (governança corporativa, social e ambiental) - começando pela primeira e mais básica. Mas é igualmente importante demonstrar que as duas últimas não são maquiagem que borra ao primeiro teste.
Atualização: as ações da Ambev, controlada pela 3G Capital, do mesmo trio de acionistas de referência das Americanas caem quase 4% na tarde desta quarta-feira (1º). O motivo é uma informação dada pela Associação Brasileira da Indústria da Cerveja (CervBrasil), que representa pequenas cervejarias, de que a gigante nacional "pode" ter dívidas com impostos federais, estaduais e municipais estimadas em R$ 30 bilhões.
O que é a 3G Capital
É uma empresa de investimento no modelo private equity, ou seja, que compra fatias de negócios para permanecer como acionista por prazo longo. Além das Americanas, um dos primeiros negócios dos fundadores Jorge Paulo Lemann, Marcel Herrmann Telles e Carlos Alberto Sicupira, controla negócios de alcance global, como indústria de bebidas multinacional AB-Inbev - que inclui a nacional Ambev -, e as empresas de alimentos Kraft-Heinz e Burger King.