Sócio-gestor da consultoria Inter.B, especializada em infraestrutura, o economista Cláudio Frischtak é uma espécie de abre-alas para investidores estrangeiros no Brasil. Tem um respeitado relatório de aportes no segmento - geralmente abaixo do necessário para dar conta das necessidades do Brasil. Com essa experiência, é cético sobre a onda de investimentos com a qual acena o ministro da Economia, Paulo Guedes. No levantamento mais recente, de maio, projetava aportes de R$ 49 bilhões para o ano, apenas 1,9% acima de 2021. A média anual entre 2001 e 2020 foi de R$ 50,8 bilhões. Frischtak reforça o diagnóstico de que o cenário externo não vai ajudar o Brasil a resolver seu problema fiscal em 2023. Mas considera realistas as projeções de que o país tem uma grande oportunidade em energias renováveis nos próximos 10 ou 15 anos.
Quais os desafios do eleito ou reeleito?
As perspectivas para 2023 na economia global não são positivas. A Europa vive a situação mais dramática, com o choque de custo e risco de oferta de energia. E ainda enfrenta incerteza de natureza geopolítica que é a guerra. Afeta o mundo todo, mas ocorre ali, no centro da Europa. E há um governante que faz ameaças perigosíssimas, críveis ou não. Nos Estados Unidos, o choque energia e a expansão fiscal geraram pressão inflacionária muito grande. O Federal Reserve, o banco central mais relevante do mundo, já está fazendo um aperto monetário que leva à desaceleração da economia americana. Isso projeta uma estagnação em 2023. Não se sabe se haverá um ou mais trimestres com queda no PIB, mas na melhor das hipóteses haverá uma forte desaceleração. E no bloco asiático, a reafirmação da política de covid zero da China provocou grande mal-estar, não só pela política em si, mas pelo sinal de que o país está retornando a uma certa autocracia, um regime centrado em um indivíduo, o que não ocorria desde Mao Tse Tung. Tudo isso faz com que tenhamos, no mínimo, uma forte desaceleração do crescimento global em 2023.
O que significa isso para o Brasil?
Vamos ter uma economia global menos benigna, em contraste com 2021 e até meados deste ano. Não é uma coisa boa. Em vez de vento a favor, teremos vento contra. Isso vai nos afetar, basicamente, pelo comércio internacional e pelos termos de troca (preços de exportações). Esse novo boom de commodities (matérias-primas básicas), que já está refluindo, não se repetirá. O que é difícil de prever é a força desse vento contra.
Depois, o imperativo eleitoral tomou conta da lógica das decisões do governo. Quando isso ocorre, é raro ter bom resultado. O caso mais escabroso foi o consignado para os beneficiários do Auxílio Brasil, um risco que a Caixa está tomando.
Como está o barco para encarar esse vento?
Internamente, a grande questão continua sendo a fiscal. Neste ano, no primeiro semestre até se abriu certa folga nas contas. Depois, o imperativo eleitoral tomou conta da lógica das decisões do governo. Quando isso ocorre, é raro ter bom resultado. O caso mais escabroso foi o consignado para os beneficiários do Auxílio Brasil, um risco que a Caixa está tomando. Há um perigo para a instituição e outro para os indivíduos com renda apenas para consumo e sem perspectiva certa de que vão continuar recebendo. Houve grande abuso, mas não há clareza da dimensão do problema fiscal em 2023. O que se sabe é que a situação fiscal será muito menos confortável do que a de 2022. E só foi assim, neste ano, por dois efeitos. Um é a inflação. Na época da hiperinflação não havia problema fiscal porque o governo atualizava as receitas diariamente e as despesas, mensalmente. Mas é péssimo, porque afeta muito os mais pobres. Outro foi a retomada das atividades, que não vai se repetir em 2023. Quem estiver no comando vai enfrentar uma situação econômica bem mais difícil e terá de fazer ajuste de uma forma ou de outra.
Nesse cenário global desafiador em energia não abre uma espaço para o Brasil oferecer soluções, um dos raros pontos comuns entre os dois candidatos?
De fato, nesse ponto há uma convergência grande. O Brasil é uma potência em energias renováveis, isso é um é fato. E especialmente em eólica e solar, ambas com espaço grande para avançar. Na eólica marítima, ainda falta regulação, mas tem alto potencial. Precisa de melhora no ambiente regulatório para dar mais segurança jurídica. O custo de eólica e solar está caindo com rapidez caiu muito, tornaram-se muito competitivas. O Brasil já é relevante e pode se tornar ainda mais se olharmos uma década, uma década e meia à frente. Ainda temos potencial grande na transformação e produção de hidrogênio verde. Temos capacidade de exportar para a Europa. Não é tema de um governo, mas de um período de 10 ou 15 anos. Vai nos ajudar a reduzir emissões de carbono economia.
Se (Guedes) quisesse atuar na campanha, deveria fazê-lo como cidadão, pedir demissão do ministério. Assim, existe conflito que fragiliza a instituição. Instituições são conjuntos de regras, escritas ou não.
O ministro Paulo Guedes tem insistindo que a infraestrutura terá investimentos de cerca de R$ 90 bilhões anuais em uma década, os dados já captam esse efeito?
Não é incomum ver números jogados no setor. O que importa é o que de fato as empresas fazem, não pensar em intenções de investimento. Trabalhamos com um relatório com dados objetivos, que contabiliza o que foi feito ou com compromissos críveis de investimento. O mais recente é de maio, nesse momento estamos revendo os números para atualizar até novembro, mas não apareceu nada espetacular. Infelizmente, na minha visão Guedes entrou na reeleição de uma forma que não recordo de nenhum ministro ter adotado. Ministro da Economia deve ter certo recato, senão perde credibilidade. Se quisesse atuar na campanha, deveria fazê-lo como cidadão, pedir demissão do ministério. Assim, existe conflito que fragiliza a instituição. Instituições são conjuntos de regras, escritas ou não. Uma é o recato. Temos de reconstituir as instituições, não confundir papéis. Não pode ser ministro até as 17h30min, depois virar outra coisa. Como cidadão, acho ruim.