Com a ascensão ao trono de um ambientalista de carteirinha, o agora rei Charles III, a agenda ESG (governança corporativa, social e ambiental) ganha um defensor no topo do poder. Nos aspectos ambientais da sigla, algumas destas ações se relacionam ao mercado de carbono, que pela falta de regulação oficial no Brasil, ainda depende de ações voluntárias das empresas. Gabriel Brasil, graduado em economia e mestre em economia política internacional, comenta à coluna os principais desafios que o país ainda enfrenta neste cenário. O economista é analista de riscos políticos e ESG na consultoria britânica Control Risks, fundada em 1975 e umas das principais do mundo no segmento. Na agência, seu foco de análise se concentra na América Latina, principalmente no Brasil.
Como avalia o crescimento da agenda ESG no Brasil?
A Control Risks é uma consultoria de gestão de diversos riscos que apoia empresas multinacionais e fundos de investimento em decisões de aportes financeiros e no monitoramento a possíveis riscos aos quais estão expostos. Esse portfólio de riscos mudou muito, pois a preocupação com os temas da agenda ESG explodiu nos últimos anos, primeiro no Exterior, e depois aqui no Brasil. Hoje não estamos tão atrasados em relação ao resto do mundo quanto às tendências da área, só na parte regulatória. No meio corporativo, essa agenda já é prioridade alta das startups a grandes empresas, assim como para o sistema financeiro como um todo.
Como o setor privado brasileiro pode contribuir no combate à crise climática?
O Brasil precisa muito que o setor privado participe da mitigação dos problemas socioambientais. Ainda temos um grande caminho a ser percorrido, mas estamos às vésperas de uma grande aceleração de ações mais concretas. Temos um governo federal que hoje não apoia diretamente boa parte das iniciativas da agenda ESG, principalmente na parte ambiental. A principal fonte de emissão de dióxido de carbono do Brasil é o desmatamento, que vem crescendo em trajetória horrorosa nos últimos anos, basta acompanhar os dados. Por isso, nossa principal missão como país, para diminuir as emissões, é frear o desmatamento. Para o setor privado, isso apresenta riscos, porque algumas instituições oficiais que poderiam atuar em parceria acabam não fazendo, mas também oportunidades, pois o segmento tem a chance de liderar algumas iniciativas e estar à frente inclusive do ambiente regulatório do país em questões ambientais.
Como funciona o mercado de carbono hoje no Brasil?
O mercado de carbono aqui ainda não é formalmente regulado, mas o mercado voluntário está crescendo muito, só que praticamente sem nenhuma obrigação de compensação, como já acontece na União Europeia, pela falta de regulamentação. O Congresso vinha trabalhando, nos últimos dois anos, uma proposta de regulação do mercado de carbono. Chegou a COP 26, e enfim saiu um decreto que ajudou, mas ainda estamos em um momento que o setor privado precisa ser melhor regulado. Algumas organizações, como Banco Central (BC) e Comissão de Valores Mobiliários (CVM), têm tomado iniciativas com algum sucesso. Hoje, existe a conversa, existem propostas, mas na prática o que funciona mesmo são agentes de destaque do setor privado trabalhando de forma voluntária, mas ainda sem o arcabouço regulatório para esclarecer as regras do jogo.
Como esse mercado pode ser regulado?
A principal premissa de qualquer regulação é que todas as empresas, principalmente as médias e grandes, precisam reduzir a sua pegada de carbono, com o objetivo de eventualmente zerar os índices até 2050, de acordo com os principais acordos internacionais. Portanto, o mais importante nesse processo é as empresas reduzirem suas emissões, em todos seus processos e atividades diretas e indiretas. Na União Europeia, que hoje é a grande referência global nesse aspecto, isso já é regulado, então existe uma diretriz clara informando o cronograma que as empresas precisam seguir para reduzir emissões até determinado período e em determinada quantidade, com um caminho já traçado e mandatório. No Brasil, as empresas não têm essa obrigação, então o que fazem é atuar nesse mercado de forma voluntária, diminuindo suas emissões ou compensando com créditos, porque querem fazer sua parte, e também para receber uma série de benefícios comerciais e de reputação. A diferença do mercado aqui, por não ser regulado, é que não há tanta rigidez, não tem auditoria obrigatória e não há qualquer obrigação regulatória de provar as ações.
E como funciona a compensação de carbono por meio do crédito?
Quando as empresas não conseguem reduzir totalmente as suas emissões por conta própria, devido a sua operação, ou por não ter tecnologia ou escala suficiente, deixam esse resto de emissões que deve ser compensado. Assim, a empresa reduz suas parte de suas emissões, mas sobra uma quantidade de toneladas de CO2. que emite todo ano e não consegue mais reduzir. Aí precisa comprar crédito no mercado para compensar essa "sobra". Esse mercado do crédito de carbono é formado por organizações certificadas e reconhecidas internacionalmente que realizam projetos de reflorestamento e conservação ambiental que ajudam a sequestrar CO2 da atmosfera. É calculado um valor referente a cada crédito, e esses créditos são vendidos às empresas que precisam compensar as emissões que não conseguiram reduzir.
Como o Brasil se compara, nesse mercado, a outros países da região?
Regionalmente não estamos muito atrás. Colômbia, Argentina e Chile também não têm mercado de carbono regulado, com discussões incipientes sobre o tema. Contudo, temos particularidades. A Colômbia também promete acelerar essa agenda. Os sul-americanos também compartilham um obstáculo relevante para agendas de transição energética, que é a inflação, o que atrasa um pouco as providências. No Brasil, a gente viu recentemente o governo federal passando um pacote de dezenas de bilhões de reais voltado a diminuir o preço da gasolina, o que foi apoiado pela maioria dos políticos brasileiros, e dá a medida de que o nosso ambiente interno ainda não está maduro para ter a agenda climática como prioridade, tanto em propostas concretas para os próximos anos como em ações mais diretas no curto prazo.
* Colaborou Mathias Boni