A coluna não pode garantir que será a melhor palestra (só porque ainda não viu), mas a trajetória de Marcus Stroud é uma das mais interessantes entre os convidados do South Summit. Daria um filme. Como milhões de americanos na época, sua família perdeu a casa na crise financeira de 2008. O menino chegou a viver sem teto, alternando períodos na rua e em casas. No Ensino Médio, destacou-se como jogador de futebol americano e foi recrutado pelo time da Universidade de Princeton, o Tiger, pelo qual foi campeão da Ivy League em 2013. Virou especialista em finanças e, agora, quer investir em startups no Brasil, começando pelo evento de inovação em Porto Alegre. Seu foco de formação em uma das oito universidades mais prestigiadas dos Estados Unidos — com Brown, Columbia, Cornell, Dartmouth, Harvard, Universidade da Pensilvânia e Yale — contou Stroud à coluna já a caminho de Porto Alegre, foi escolhido para dar mais estabilidade à família. Com seu colega de quarto em Princeton, Brandon Allen, fundou a TXV Partners, com sede em Austin, Texas, onde comanda investimentos com foco em software e tecnologias de consumo, especialmente em saúde, bem-estar e fitness.
O que o inspirou a se tornar um investidor?
Meu pai jogou na NFL (National Football League, a liga profissional dos EUA, com 32 times), minha mãe era grande apoiadora de esportes. Mas quis aprender a investir porque cheguei a ser um sem-teto, morar parte do tempo em casas, parte na rua. Queria dar estabilidade para a minha mãe e a minha família. Quando eu estava no último ano do Ensino Médio, morei com um famoso jogador (Torii Hunter) que ganhou muito dinheiro e fez bons investimentos e me ensinou um pouco sobre como investir. Em Princeton, aprendi sobre Wall Street, sobre como investir com bom resultados, e sabia que o futebol acabaria para mim algum dia. Por isso, eu e meu colega de quarto decidimos investir. E, agora, estou indo para Porto Alegre, para investir no Brasil.
De onde surgiu o interesse no Brasil?
Meu ex-colega de quarto é americano com origem mexicana, foi à Cidade do México e começou a nos falar sobre as oportunidades de investir na América Latina, que tem grandes perspectivas de crescimento. Sempre me interessei pelo Brasil. Isso nos fez criar um fundo específico para investir na América Latina.
Crescer sem dinheiro, sentir que a família estava quebrada, me inspirou a tentar fazer melhor.
Uma de suas primeiras iniciativas foi criar um programa de investimentos para jogadores?
Sim, criei um programa para que eles pudessem investir em boas startups. E não apenas investimos o dinheiro, apresentamos os jogadores profissionais aos melhores investidores dos EUA, os melhores gestores de fundos. Dissemos 'invistam seu dinheiro com as melhores pessoas do mundo'. Queríamos aproximar os jogadores desse universo, e o resto virou história.
Qual foi sua motivação, tem relação com a história de sua família?
Meu pai deixou minha mãe quando eu era muito pequeno, e nos tornamos sem-teto. Crescer sem dinheiro, sentir que a família estava quebrada, me inspirou a tentar fazer melhor. Quando eu estava no Ensino Médio, a família conseguia uma casa e perdia, conseguia e perdia. Isso me fez querer mudar a vida da minha família. Nunca fui motivado por ganhar muito dinheiro ou pela fama, mas por dar à minha família uma perspectiva melhor e, no final, ajudar mais pessoas a ter mais oportunidades também. Minha mãe e minha família foram as maiores inspirações para mim. E quando vi os efeitos disso sobre as outras pessoas, pensei em como poderia ajudar mulheres e outras minorias, soube que queria buscar algo maior.
Qual foi a maior dificuldade nesse processo?
Foi o fato de as pessoas não acreditarem muito em nós, porque éramos superjovens. Mas sabíamos o que estávamos fazendo. As pessoas também não acreditavam em Austin, Texas, como um grande local para investir. Assim como agora começamos a falar em investir na América Latina, e no dizem 'não há muita tecnologia na América Latina como nos EUA'. Então, a maior dificuldade é fazer as pessoas acreditar. Recentemente, o mundo passou a nos acompanhar. E as oportunidades aumentaram muito com o grande avanço da inovação nos últimos três anos.
Era uma vantagem porque sempre éramos os dois únicos homens negros na sala. Nunca vimos isso como um problema, porque nos vemos como privilegiados.
E Austin se tornou quase um novo Vale do Silício...
Exatamente, dizíamos 'Austin vai ser tornar o próximo Vale do Silício', e as pessoas respondiam 'vocês estão loucos, não há como Austin virar um Vale do Silício'. Mas ajudamos a vender essa ideia, e agora muita gente vai a Austin para fazer novos negócios lá.
A questão racial teve peso na sua trajetória?
Sim, teve. Não necessariamente as pessoas diziam olhavam para nós (ele e o sócio, Brandon) e diziam 'não vamos trabalhar com vocês porque vocês são negros'. A partir das muitas manifestações de minorias e do processo de discussão de direitos individuais que se iniciou no governo Trump, as pessoas passaram a querer saber o que fazer e como fazer. Eu e Brandon sempre quisemos ter certeza de que nossa cor era mais um privilégio e uma vantagem do que uma desvantagem. Sabíamos que estávamos em uma posição especial para fazer o que fazíamos, porque éramos homens negros no mercado. Era uma vantagem porque sempre éramos os dois únicos homens negros na sala. Nunca vimos isso como um problema, porque nos vemos como privilegiados.
Diversidade virou assunto, mas você vê mais discussão ou ação sobre o tema?
Está acontecendo muita coisa boa, mas há muito a ser feito ainda. Graças aos grandes esforços de muitas pessoas, começamos a ver muitas mudanças, mas ainda há um longo caminho pela frente. Mulheres ainda têm um longo caminho antes de sentar à mesa nas mesmas condições dos homens em muitas empresas e muitos fundos. Há muitas mulheres e pessoas de minorias com muito talento como investidores e empreendedores que só conseguem acesso a uma pequena fração dos recursos que circulam, inclusive para startups. Há bilhões de dólares circulando, e uma minoria vai para negócios com diversidade. Então, nos EUA, estamos avançando em pequenos passos, mas há um longo trajeto para avançar. E há mais pressão nos EUA do que na América Latina, porque os sócios são mais diretos em temas de diversidade.
Queríamos fazer algo juntos desde muito jovens, queríamos tornar o mundo um lugar melhor investindo em boas empresas e boas pessoas que têm ideias únicas que podem mudar o mundo.
Como você conheceu seu sócio, e porque decidiram abrir um negócio juntos?
Era meu colega de quarto, estávamos juntos em Princeton. Queríamos fazer algo juntos desde muito jovens, queríamos tornar o mundo um lugar melhor investindo em boas empresas e boas pessoas que têm ideias únicas que podem mudar o mundo. Eu e ele temos as mesmas ideias de como construir uma empresa global que impacte pessoas em todo o mundo. Temos três mulheres no comando de fundos, temos pessoas de todas as etnias e damos o mesmo tratamento para nossos consultores legais e nossos estagiários. Ele está na África nesse momento, eu escolhi estar no Brasil em vez de Botswana.
Vocês querem investir no Brasil?
Sim, estamos focando nosso próximo fundo no Brasil. Estamos muito otimistas em relação ao ecossistema de inovação no Brasil e em toda América Latina. Há muitas oportunidades nesses países. Nosso foco é em software e desempenho físico. Estou supergrato por ter essa oportunidade no Brasil, sou superfã do Brasil, acredito que vocês vão começar a ver mais superinvestidores com mais dinheiro no país. Quero passar mais tempo no Brasil, pessoal e profissionalmente, se possível pelo resto da minha vida.