O jornalista Rafael Vigna colabora com a colunista Marta Sfredo, titular deste espaço.
Diretor diretor-executivo do Sindicato da Indústria Nacional de matérias-primas de Fertilizantes (Sinprifert), chama a atenção para a necessidade de desenvolvimento do setor, principalmente, no Sul do país. São muitos os desafios que envolvem o contexto global e as políticas nacionais.
A guerra evidencia a dependência do país em fertilizantes?
Sim. De fato, a guerra evidenciou algo que há bastante tempo vem incomodando o setor produtivo nacional que é essa extrema dependência externa que se tem em fertilizantes, apesar de termos recursos minerais pra isso, sejam os fosfatados, os potássicos e também recursos minerais para gás natural. O Rio Grande do Sul tem interesse em especial, pois conta com um polo petroquímico interessante produzindo fertilizantes. No Paraná, também há um projeto hibernado, que é a fábrica de Araucária da Petrobras e que, em outras circunstâncias, em ambiente de competitividade, esses projetos poderiam ser ampliados e contribuírem para a redução dessa dependência externa. Nos últimos dois anos, no ambiente institucional federal surgiram propostas como o Plano Nacional dos Fertilizantes e projetos como o Profert (PL 3507/21, que cria incentivos no setor) e em esfera estadual, quando os Estados decidiram rever as suas estruturas tributárias para fertilizantes em março do ano passado. O RS foi um dos que participou ativamente desse debate e acertadamente apoiou a revisão do convênio 100 (uniformização da alíquota em 4% para fertilizantes até 2025, que evitou o tratamento diferenciado ao produto importado) entendendo que a mudança na estrutura tributária traria impacta insignificante para os produtores agrícolas, em razão do aumento das alíquotas, que serão progressivas até atingirem uma isonomia entre importados e nacionais no final de 2024.
Existem projetos estagnados no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, o que poderia ser feito para agilizá-los?
O que tem que ser feito é uma aproximação dos órgãos estaduais de licenciamento ambiental e regulatórios com setor para melhorar a interface, os processos e requerimentos para acelerara isso em âmbito estadual. Em esfera federal é preciso haver uma discussão para entender como os Estados e a União podem se unir para agilizar esses projetos. Pois são eles, além dos atuais, como a Yara em Rio Grande, que amplia a sua produção de fosfatados, e algumas ações do Plano Nacional dos Fertilizantes na fábrica de Três Lagoas que está sendo vendida pela Petrobras, ou na Argentina, onde se aumenta a exploração de Potássio, que poderão criar um hub nacional e sinergias entre polos produtores e consumidores. Este é o caso do RS, dos Estados do Sul e do Centro-Oeste do país.
Como você percebe o avanço do Plano Nacional dos Fertilizantes?
O decreto foi assinado em março e instituiu tanto o plano nacional como o conselho nacional de fertilizantes que será o órgão de monitoramento e gestão das ações propostas pelo documento. A primeira reunião aconteceu em abril e a segunda ocorrerá em junho, quando toda a agenda será implementada.
O país busca por novos mercados como Canadá e Arábia Saudita para suprir a lacuna da matriz NPK (Nitrogênio, Fósforo e Potássio) , mas como destravar o ambiente interno?
Hoje, a nossa dependência externa é de 85%, caminhando para 90%. Esse esforço do governo federal na chamada diplomacia de fertilizantes para diversificar fornecedores apesar de necessário em curto prazo para não haver a quebra de insumos essenciais para o país, não corrige o problema em si que é, justamente, essa dependência. Apenas a transfere para outros atores. O país precisa garantir o abastecimento daquilo que se utilizava da Rússia e da Ucrânia e outros países da região, e fazer o mesmo que a própria China, que reduziu suas exportações para garantir o mercado doméstico. Nenhum país, tirando Rússia e China, é autossuficiente em fertilizantes. A União Europeia beira 51% de dependência, os Estados Unidos 24%. Então precisamos reduzir a nossa dependência a patamares menos arriscados e tentar regionalizar os nossos fornecedores externos. Por exemplo, o Peru é um grande fornecedor de fosfatados aos Estados Unidos, poderia ser para o Brasil. Temos o gás natural da Bolívia que poderia ser matéria prima para plantas como a de Três Lagoas. A Argentina possui jazidas de Potássio que poderiam suprir a nossa dependência de Potássio que beira 97%. Ou seja, criando sinergia com países mais próximos geográfica e politicamente.
Com isso, como seriam os efeitos para a agricultura?
Entendo que quanto mais próximo for o fornecimento de insumos para o agricultor local, maior também vai ser a renda do agricultor, pois ele pode ter soluções customizadas de acordo com os seus interesses. Há possibilidade de produtos de melhor qualidade que vai gerar maior produtividade e abre-se espaço para uma competição no mercado que, potencialmente, poderia gerar concorrência e redução de preços para os insumos. Tudo isso gera menos risco e menos custos que se refletem em renda e produtividade.
Quais os principais desafios de médio e curto prazo?
No campo tributário, seria de fato atingir a isonomia de ICMS, que vem sendo implementada pelo novo convênio 26 (reduz a base de cálculo do ICMS nas saídas dos insumos agropecuários). Hoje, não há isonomia, mas se isso ocorrer como vem ocorrendo, teremos no final de 2024. Precisamos por exemplo que uma reforma tributária não retire isso e não aumente impostos sobre esses insumos. Também é preciso que as medidas implementadas no âmbito tributário não privilegiem apenas a importação, como vem sendo feito ao longo das últimas décadas. Alguns Estados ainda querem oferecer subsídios e estímulos fiscais às importações de fertilizantes. É necessário que o novo marco do gás natural seja implementado para reduzir o custo da matéria prima, que hoje beira US$ 12 por milhão de BTU para US$ 5. Isso viabilizaria projetos nacionais de nitrogenados. Além disso, outros insumos deveriam ter reduções, como a energia elétrica, pois a indústria de fertilizantes é altamente consumidora. As regulações de licenciamentos ambientais ou da adoção de novos fertilizantes inovadores tenham redução de burocracia que permita que os projetos nacionais saiam do papel. Por fim, a questão de logística e integração destes polos produtores e consumidores. Ou seja, o polo de Minas Gerais de fosfatados e potássicos possa estar integrado logisticamente com Sergipe, Bahia e São Paulo para o suprimento de nitrogenados. O RS precisa da mesma sinergia com Paraná, Santa Catarina e Argentina, havendo maior eficiência de transporte, por exemplo, via cabotagem, para outras zonas consumidoras. São esses os principais pontos que poderiam oferecer um ambiente estrutural mais atrativos para grandes projetos. Um projeto de nitrogenados não custa menos do que US$ 2 bilhões, para se ter uma ideia. Isso tudo precisa de uma análise de viabilidade de grande prazo e só se faz isso aumentando a atratividade do país. Aliás, o RS precisa liderar esse movimento de focar no que vai de fato resolver o problema, que é aumentar os investimentos na produção nacional, pois é um estado relevante em produção, consumo e importação de fertilizantes. O RS é um grande receptor e distribuidor desses produtos e, como tal, precisa abraçar essa causa, porque beneficia desde a arrecadação do Estado até a produtividade das safras