Nesta segunda-feira (28), a cotação do petróleo cai, sob a sombra do confinamento em Xangai, na China, uma das áreas mais ocidentalizadas do gigante asiático. Mas mesmo com a queda de quase 6%, segue em US$ 113, o que significa que os combustíveis no Brasil estão sendo vendidos abaixo dos preços internacionais, portanto existe risco de novos reajustes.
Há quase 50 anos, começou a ser montado um programa nacional para responder ao primeiro choque de petróleo, em 1973. Dois anos depois, em novembro de 1975, foi lançado o Proálcool, para desenvolver um combustível nacional para proteger o Brasil das turbulências no preço dessa que ainda é a principal matéria-prima energética do planeta.
O Brasil desenvolveu o primeiro biocombustível comercial do mundo, o álcool à base de cana-de-açúcar, mas ainda sofre fortes turbulências, na economia e na política, toda vez que a cotação do barril dispara no mercado internacional. Mas por que o Proálcool não atingiu o objetivo de ao menos reduzir o impacto da alta do petróleo?
Embora seja por vezes considerada "um mistério", a impotência do etanol brasileiro tem várias causas ao longo da história, que passam até pela estratégia da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep). Como o Proálcool foi um sucesso no início, entrou na mira do cartel mais oficial da economia global. É claro que não é a única bússola da Opep, mas um dos objetivos da organização é exatamente não deixar o petróleo subir a ponto de viabilizar combustíveis alternativos.
Depois de certo sucesso entre o final da década de 1970 e parte da seguinte, o Proálcool começou a enfrentar problemas entre o final de 1980 e o início de 1990. Uma combinação da redução dos preços internacionais do petróleo com uma crise no abastecimento de álcool levou à redução dos estímulos à produção do biocombustível e à extinção do programa tal como havia sido criado.
Em 1997, a criação do Conselho Interministerial do Açúcar e do Álcool (Cima) deu a partida para uma retomada. Nessa etapa, foi essencial o desenvolvimento dos motores flex, que funcionam tanto a gasolina quanto com etanol puro. Tudo ia bem até que uma alta drástica no preço do açúcar fez as usinas brasileiras concentrarem sua produção nas exportações a esse mercado, provocando escassez de etanol no Brasil.
A descoberta do pré-sal foi outro revés. A perspectiva de autossuficiência em petróleo criou a ilusão de que brasileiros poderiam abastecer a preços venezuelanos. Não foi o que ocorreu, e ainda antes do reajustaço o Brasil estava em 90º lugar no ranking de preços da gasolina.
Além de flutuar ao sabor das cotações internacionais do açúcar, como o etanol é um substituto do petróleo, seus preços também acompanham o do barril. E por ser uma matéria-prima agrícola, está sujeita a problemas de safra, como ocorreu no ano passado, quando faltou chuva no Sudeste e Centro-Oeste.
Nesta segunda-feira (28), a União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica) informou que, faltando 15 dias para o final da atual safra, a moagem acumulada neste ano soma 521,93 milhões de toneladas, o que representa redução de 13,08% ante o ano passado. A produção acumulada de etanol foi de 27,34 bilhões de litros, 8,88% inferior a 2020/2021, que já não havia sido uma boa safra. Até agora, foram produzidos 10,90 bilhões de litros de etanol anidro (usado na mistura com gasolina), 12,61% acima da safra anterior, e 16,43 bilhões de litros de etanol hidratado, queda de 19,13% na mesma comparação.
Curiosidade histórica: embora o Proálcool tenha sido criado em 1975, abastecer veículos com etanol é uma ideia ainda mais antiga. A primeira experiência brasileira é de 1925, e em 1933, no governo Getúlio Vargas, foi criado o Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA).
Os choques na história
1973: o apoio dos EUA a Israel na guerra do Yom Kippur fez os países árabes aumentarem o preço em cerca de 400%. Entre o final de 1973 e o início de 1974, as cotações nominais subiram de US$ 3 para US$ 12 Foi o que motivou o Brasil a criar o Proálcool, para reduzir a dependência do Brasil.
1979: a deposição do último xá (título de regente, soberano) do Irã, Reza Pahlevi, provocou mudanças na postura de um dos maiores produtores na época e provocou alta que fez os preços triplicarem entre 1979 e 1981, de US$ 13 para US$ 34 (em valore nominais).
1990: a Guerra do Golfo começou com a invasão do Iraque pelo Kuwait e teve intervenção dos Estados Unidos com homens e armas - diferentemente do que ocorre atualmente na Ucrânia. Fez o barril duplicar de preço em três meses, de US$ 23 para US$ 47.
2008: há controvérsias sobre a classificação de "choque", porque houve uma alta forte e rápida provocada apenas por movimentos especulativos de mercado, mas é considerada, ao menos, uma crise de petróleo, que dobrou de preço em seis meses.