Em um país que se levasse a sério, o presidente Jair Bolsonaro já teria sido responsabilizado por ações e omissões em questões sanitárias, econômicas e sociais.
O líder temporário da União, controladora da Petrobras, diz que a estatal "só dá dor de cabeça". É o tipo de declaração que, no Brasil embrutecido de 2021, diz mais sobre quem a enuncia do que sobre o objeto do enunciado.
Pressionado pela crise dos combustíveis, Bolsonaro afirmou, na quarta-feira (27):
– É uma estatal que, com todo respeito, só me dá dor de cabeça. Vamos partir para uma maneira de quebrarmos mais monopólio, quem sabe até botar no radar da privatização. É uma empresa que, hoje em dia, está prestando serviço para acionistas e ninguém mais. A chance de vocês perderem algo na Petrobras é zero. Só o governo federal está pegando R$ 11 bilhões, uma quantia equivalente a essa está indo a acionistas.
Certo, o presidente não entende de economia, como deixou claro na campanha ao nomear o ministro da Economia, Paulo Guedes, como seu "Posto Ipiranga", a quem perguntaria sobre as questões relativas à área. Se fosse importante para ele, já teria aprendido, desaprendido e reaprendido, como todos fazemos todos os dias, na pandemia ainda com mais intensidade.
A falação de Bolsonaro sobre uma eventual privatização da Petrobras não é levada a sério por analistas sérios. Mas já rendeu processo administrativo na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que precisa cumprir a missão de ser a "xerife do mercado de capitais". É uma praxe do órgão quando há sinais de risco da manipulação de ações.
Para criar cortina de fumaça à própria inaptidão ao cargo, não hesita em interferir nos preços da estatal e criar ainda mais tensão que se reflete em preços mais altos. Bolsonaro teve oportunidade de construir uma solução definitiva para as oscilações bruscas nos preços dos combustíveis. Foi inúmeras vezes provocado para debater em profundidade o já mitológico fundo de compensação, formado por receitas de royalties e dos próprios dividendos que ele mesmo desdenha – alguém aí interessado em uma receita de R$ 11 bilhões ao ano, para ficar no valor que citou?
Então, "vamos partir para uma maneira de quebrarmos mais monopólio"? Era o que a estatal tentava fazer até ser interrompida pelas constantes ameaças de interferência, que afetam preço dos ativos e a confiança dos investidores.
Por além dos R$ 11 bilhões em dividendos, a que "só dá dor de cabeça" pagou, no ano passado, R$ 128,7 bilhões em tributos e participações governamentais, conforme o relatório fiscal 2020 da Petrobras. E não foi um ano bom. A projeção é de que a estatal divulgue ainda nesta quinta-feira (28), depois do fechamento do mercado, lucro de R$ 11 bilhões a R$ 24 bilhões só no terceiro trimestre. E sim, Bolsonaro também quer se antecipar à pergunta que faremos todos: faz sentido ter gasolina a R$ 7 e lucro multibilionário?
A Presidência não tem um gestor, não tem um conciliador, não tem um articulador. Tem um ex-capitão que se comporta como comentarista do próprio governo e faz tudo para não se incomodar. Mas quanto mais tenta, mais provoca efeito inverso.
A política da Petrobras
Para reajustar o preço nas refinarias, a Petrobras adota um cálculo chamado Paridade de Preços de Importação, adotado em 2016, no governo Temer. A intenção é evitar que a estatal acumule prejuízo com por não repassar aumentos de produtos que compra do Exterior, tanto petróleo cru quanto derivados, como a gasolina. A fórmula inclui quatro elementos: variação internacional do barril do petróleo — com base no tipo brent, que tem preço definido na bolsa de Londres —, cotação do dólar em reais, custos de transporte e uma margem definida pela companhia, que funciona como um seguro contra perdas.