Num zás, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) anunciou que recolocaria em votação as mudanças no Imposto de Renda e conseguiu aprovar o que seria a segunda fatia da reforma tributária, como se dizia antigamente, "na calada da noite" de quarta-feira –expressão que embute a suspeita de interesses escusos.
Se o resultado tivesse sido bom, teria sido um feito, especialmente porque foi aprovado com ajuda da oposição o PT deu vários votos favoráveis. Mas segundo especialistas em tributos e em finanças públicas, é mais Frankenstein do que passarinho.
Para a classe média, o que parecia afago – a retirada do limite de renda a R$ 3 mil mensais para uso do desconto simplificado – virou tapinha nas costas, porque reduziu o total de dedução de R$ 16.754 para R$ 10,5 mil.
Para tributaristas, os termos aprovados pela Câmara não guardam qualquer relação com o projeto enviado pelo governo, que já não era muito bem avaliado. Para especialistas em contas públicas, o resultado é o aumento do rombo nas contas públicas, que se volta contra a população na forma de maior pressão inflacionária. Ou seja, foi possível piorar o que já era ruim.
Anderson Trautman Cardoso, tributarista e presidente da Federasul, ainda quer esperar a votação dos destaques – até agora, só passou texto principal – para uma avaliação definitiva, mas observa:
– Uma pena não termos aproveitado a oportunidade para uma reforma tributária de verdade. O principal impacto do projeto aprovado, além do aumento de carga, será aumento da complexidade. Até aqui, não vejo contribuições para melhoria de nosso sistema tributário.
Diretor do Instituto Fiscal Independente, ligado ao Senado, o especialista em contas públicas Felipe Salto afirmou que, desse ponto de vista, "o saldo é bastante negativo". Vanessa Canado, que era assessora do ministro Paulo Guedes até as vésperas do envio do projeto ao Congresso, relatou ter ficado "atônita" com as mudanças operadas na Câmara.
Ana Carla Abrão, líder da consultoria Oliver Wyman no Brasil e também focada em contas públicas, observou o que a coluna já havia apontado: o risco de transformar um sistema tributário ruim em algo ainda pior.
As especulações de que mudanças no projeto do Imposto de Renda foram parte do "adiamento" do manifesto pedindo respeito aos Três Poderes, com forte apoio do setor privado, carecem de comprovação. Mas a pressa e o êxito de Lira em aprovar o PL 2337/21 aumentam as suspeitas sobre o motivo do envolvimento do presidente da Câmara nas negociações que inviabilizaram a publicação, ao menos até agora. Analistas políticos duvidam que o texto passe no Senado, que tem se mostrado menos alinhado ao governo Bolsonaro.