A tentativa do governo Bolsonaro de criar um programa social mais robusto para expor em ano eleitoral voltou a esboçar uma pedalada.
Agora, a contabilidade criativa envolve a prorrogação no pagamento de precatórios — dívidas reconhecidas que precisam ser pagas — para aumentar o valor do Bolsa Família. Antes, o ensaio de criação do Renda Cidadã também embutiu a manobra que serviu de base para o impeachment de Dilma Rousseff.
Por meio de um proposta de emenda parlamentar (PEC), cria um fundo com ativos de estatais e imóveis da União. A ideia da equipe econômica é usar recursos obtidos com venda de ações ou até de dividendos pagos por empresas federais públicas para financiar despesas na área social.
É a nova amarração no pacote de bondades que deveria ter estreado com a segunda fatia da reforma tributária, mas acabou afrouxando com as críticas feitas às mudanças no Imposto de Renda de pessoas e empresas. Existe a intenção, ainda, de parcelar o pagamento de precatórios, como já fazem Estados com crise nas finanças, como o Rio Grande do Sul.
A PEC concretizaria a ambição do ministro da Economia, Paulo Guedes, de criar o que chama de "bônus social", ou seja, repassar ganhos da atividade pública às camadas de menor renda. O problema é que o fundo seria usado para quitar precatórios — despesa sobre a qual Guedes tem reclamado — e, assim, essa despesa não seria contada para efeito de definição do teto de gastos em 2022, configurando contabilidade criativa. Nesta terça-feira (3), perguntado sobre risco de calote nos precatórios, Guedes respondeu:
— Devo, não nego; pagarei assim que puder. Calote não há; se perguntar aos pequenos, eles vão dizer que não. Os maiores vão ter alternativa.
A declaração ajudou o dólar a subir quase 2%, para R$ 5,27 no final da manhã. É bom lembrar que os economistas projetam uma folga extra para o teto de gastos em 2022 proporcionada pela inflação elevada de julho de 2020 a junho deste ano, período usado para cálculo do reajuste do teto. Essa folga está estimada atualmente em R$ 124 bilhões, elevando o teto do próximo ano para R$ 1,61 trilhão. Para os palanques do próximo ano, Bolsonaro quer mais.