É sob intensa pressão, interna e externa, que o governo Bolsonaro participa, na quinta (22) e sexta-feira (23) da Cúpula do Clima organizada pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden.
Não bastasse o constrangimento do passado recente do negacionismo de dados sobre a devastação da Amazônia e a falta de ação eficaz contra as queimadas, Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente, conseguiu piorar o que já era ruim.
Às vésperas do encontro em que está em jogo o futuro do Brasil como país viável, Salles mudou regras históricas e criou a figura do "censor de fiscal". Uma norma administrativa determinou que infrações ambientais terão de ser autorizadas por um superior do fiscal para ser aplicadas. Foi só o capítulo mais recente.
Pouco antes, Salles havia sido acusado de "advocacia administrativa" pelo então superintendente da Polícia Federal no Amazonas., Alexandre Saraiva. Em um governo sério, seria afastado para investigações. Na república negacionista, foi demitido o denunciante, responsável pela maior apreensão de madeira ilegal.
Ao final de uma reunião com ministros organizada na terça-feira (21) pela Fiesp, a federação das indústrias de São Paulo superalinhada a Bolsonaro, com participação de empresários igualmente afinados, o relato foi de "frustração" com Salles. Não é pouca coisa. Neste feriado de Tiradentes, o ministro foi alvo de tuitaço com a hashtag #ForaSalles. Bolsonaristas reagiram com um #FicaSalles. Do alto de seu retrospecto, o presidente nacional do PTB, Roberto Jefferson, escreveu que "se a esquerda está contra alguém, é sinal de que essa pessoa faz um trabalho importante para o Brasil".
O comunismo deve ter invadido até a Fiesp. As muitas cartas dirigidas a Biden cobrando pressão sobre Bolsonaro têm assinaturas "de esquerda" como a do governador de Goiás, Ronaldo Caiado, a cantora Katy Perry, conhecida pela habilidade em vender itens com sua marca, e as 280 empresas da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura. Devem ser "comunistas" as 52 novas companhias que assinaram o documento The Climate Pledge, iniciativa da Amazon que inclui Colgate-Palmolive, Heineken, PepsiCo, Telefónica e Visa, entre outras 94 corporações.
Esse grupo gera cerca de US$ 1,4 trilhão em receita anual, tem ao redor de 5 milhões de funcionários em 16 países. Os participantes se comprometem a medir e relatar emissões de gases de efeito estufa, implementar estratégias de descarbonização alinhadas ao Acordo de Paris e zerar emissões líquidas de carbono até 2040, 10 anos antes do previsto no tratado.
Está em jogo muito mais do que um cargo no ministério. Salles não ajuda, mas como o presidente não perde oportunidade para lembrar, é ele quem manda. Está em jogo muito mais do que a imagem no Exterior. Há acordos e vendas em risco, mas o que conta, na Cúpula do Clima, é a capacidade de o Brasil ser responsável com o futuro dos brasileiros. Está em jogo a capacidade de frear o retrocesso para o século retrasado.
A mensagem "tranquilizadora" recebida por empresários preocupados com o risco de a Cúpula do Clima virar climão é de que o pronunciamento de Bolsonaro "vai surpreender". Supõem que seja positivamente. Mas para Estados Unidos, União Europeia, fundos de investimento e empresas, já passou o tempo dos discursos. Querem metas auditáveis e comprovação de resultados. Pelo futuro dos brasileiros, é hora de mudar discurso e prática.