Entre quinta (22) e sexta-feira (23), os olhos do mundo estarão voltados para a Cúpula do Clima, a menina dos olhos do presidente americano Joe Biden. O democrata, que no primeiro dia de governo recolocou os Estados Unidos no Acordo de Paris sobre mudanças climáticas, elegeu a agenda de preservação ambiental a prioridade de seu mandato. Ao mesmo tempo, planeja, ao convocar o evento, que terá participação de mais de 40 líderes, reposicionar o país na liderança das discussões globais.
O Brasil, isolado pela má gestão de crises como os incêndios na Amazônia e da pandemia de covid-19, chega ao encontro com a imagem prejudicada. A tensa relação com o governo Biden é um capítulo a parte do evento que, em razão da pandemia, será virtual.
A coluna separou sete temas para prestar atenção.
1 Liderança americana
A realização da cúpula é a primeira grande ação internacional do novo presidente dos EUA, Joe Biden. Com a reunião, o país tentará retomar o protagonismo nas negociações para conter o aquecimento global, depois de quatro anos do governo Donald Trump, que negava as evidências sobre as mudanças climáticas. O democrata recolocou os EUA no Acordo de Paris, do qual os americanos haviam saído na era Trump. O convite para que líderes de mais de 40 nações se reúnam para falar de ambiente significa também o retorno dos EUA à posição habitual de líder global e defensor do sistema multilateral.
2 Disputa com a China
A cúpula é também uma cartada americana na disputa com a China, maior rival estratégico dos EUA no século 21. Muitos pesquisadores de relações internacionais acreditam que o mundo vive um período de transição hegemônica, de uma ordem global orientada pelos EUA, desde a Segunda Guerra Mundial, para uma outra, comandada pelos chineses. Essa disputa por reorientar a geopolítica mundial explica as disputas comerciais, interesses e valores divergentes. Na questão do clima, a China é o maior produtor e exportador de painéis solares, turbinas eólicas, baterias e veículos elétricos. Ao mesmo tempo, não há como costurar qualquer acordo sobre redução de emissões de gases poluentes sem buscar a concordância de Pequim. A China é hoje o maior poluidor mundial. Os EUA estão em segundo lugar. Na quarta-feira (14), o jornal Global Times, ligado ao Partido Comunista Chinês, afirmou: "Os EUA não têm autoridade moral ou poder real de dar ordens à China em questões ambientais".
3 União Europeia
A UE chegará à cúpula em grande estilo. Nesta quarta-feira (21), os governos do bloco chegaram a um acordo para estabelecer, por lei, o compromisso de tornar-se neutro em emissões para o clima até 2050 e de reduzir as emissões de gases do efeito estufa em pelo menos 55% até 2030. Ao tornar lei - o que muitos governos apenas veem como promessa -, a UE dá um sinal contundente ao mundo de seu compromisso com o ambiente. O bloco econômico é o terceiro maior poluidor mundial - atrás de China e EUA.
4 Meta ambiciosa
O vilipendiado Acordo de Paris, celebrado em 2015, é hoje, graças à inação de líderes como Trump, letra morta. Suas metas são insuficientes para garantir que a temperatura média do planeta não ultrapasse 1,5ºC de aquecimento ante os níveis pré-Revolução Industrial. Desde o encontro na capital francesa, as emissões na atmosfera só aumentaram. Os EUA querem que os governos, especialmente os de nações mais poluidoras, como China, União Europeia (UE), Índia e Rússia, se comprometam com metas mais ambiciosas de redução de gases do efeito estufa, as chamadas "Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC, em inglês). Espera-se que os EUA façam sua parte. Há rumores de que, ao abrir a conferência, Biden irá anunciar o novo NDC dos EUA.
5 O maior teste do governo Bolsonaro
Depois que o Brasil ganhou as manchetes internacionais pelos incêndios na Amazônia e pelo descontrole da pandemia, o governo Jair Bolsonaro enfrenta seu maior teste no cenário global: tentar convencer o mundo em geral e os EUA em particular de que seu governo está trabalhando para proteger a floresta. Na semana passada, Bolsonaro enviou uma carta a Biden relatando seus planos para preservar a Amazônia, que vão desde a regularização fundiária à venda de crédito de carbono, prometendo zerar o desmatamento ilegal até 2030.
No discurso que fará na cúpula, Bolsonaro deve reforçar os compromissos expressos na carta. Porém, o país deve seguir sob pressão nos dois dias de encontro, uma vez que os números de desmatamento não param de aumentar. O enviado especial americano para o Clima, John Kerry cobrou publicamente Bolsonaro na última sexta-feira (16), dizendo que os EUA esperam "ações imediatas" para que as promessas se transformem em "resultados concretos".
Biden olha a questão ambiental brasileira com lupa desde antes de chegar à Casa Branca. Ainda na corrida presidencial, em debate com Trump, o então candidato democrata ameaçou o Brasil com "consequências econômicas significativas", caso não fizesse mais pela proteção da floresta. O governo brasileiro tem insistido que precisa de financiamento para preservar a mata.
6 A tensa relação entre EUA e Brasil
A relação entre os governos Bolsonaro e Biden é um capítulo a parte. Desde que assumiu, o brasileiro estabeleceu um alinhamento automático com a Casa Branca de Trump, por vezes emulando ações do então presidente republicano, como a negação do aquecimento global e desdenhando acordos multilaterais. Agora, com Biden, o Planalto está sendo pressionado a mudar da água para o vinho sua agenda ambiental sob o risco de perder investimentos externos. A troca do chanceler, com a saída de Ernesto Araújo, admirador de Trump, e a entrada de Carlos Alberto França, ajuda. O novo chefe do Itamaraty fala a linguagem da diplomacia internacional, que preza a cooperação no sistema global. Por outro lado, no Ministério do Meio Ambiente, Ricardo Salles, criticado desde o início de sua gestão pela política ambiental que tem prejudicado a imagem do Brasil no Exterior, sofre cada vez mais pressão para que deixe o governo.
7 Pesos-pesados globais
A reunião de cúpula será um evento extraordinário, fora da agenda habitual dos líderes mundiais, que normalmente só se encontram em conferências como a Assembleia Geral da ONU ou eventos mais reservados como cúpulas da Otan, Brics, Davos. Em razão da pandemia, a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 26), que seria realizada em 2020 em Glasgow, no Reino Unido, foi remarcada para novembro. A cúpula de agora é vista como uma prévia desse encontro, mas, pelas expectativas que está gerando, seus resultados poderão inclusive ser maiores do que o da reunião futura.
Mesmo que a conferência seja virtual, estarão presentes pesos-pesados da política mundial: além de Biden e do líder chinês Xi Jinping, o presidente russo, Vladimir Putin, o francês Emmanuel Macron, e a chanceler alemã Angela Merkel, por exemplo.