Feito em uma transmissão pelas redes sociais, o anúncio do presidente Jair Bolsonaro de que vai "zerar" os tributos federais do diesel e do gás de cozinha pode provocar novos reajustes nos preços dos combustíveis.
Se não for mais uma bravata de Bolsonaro, a exemplo de outras que não se sustentaram diante da letra fria da lei, a decisão provocaria perda de receita equivalente a cerca de 10% do custo da renovação do auxílio emergencial, que está dando tanto trabalho para resolver, dados os abismos sociais e fiscal.
O cálculo não é da coluna, mas de Felipe Salto, diretor-geral da Instituição Fiscal Independente, apartidária e ligada ao Senado como consultoria especializada nas contas públicas. O próprio Salto adverte que se trata de "contas rápidas". Em sua conta do Twitter, observa que as vendas de diesel em 2019 foram de 57 bilhões de litros. Com esse volume, a arrecadação anual com PIS/Cofins equivaleria a R$ 20,1 bilhões. Dois meses representariam R$ 3,3 bilhões. O cálculo não leva em conta a anunciada isenção de tributos federais sobre o gás de cozinha "ad eternun".
– É 10% do custo aventado pelo próprio governo para o auxílio emergencial (que não saiu até agora) – projeta o especialista.
Os reajustes nas refinarias anunciados na quinta-feira (18) pela Petrobras, de 10% na gasolina e de 15% no diesel representam acúmulo de quase 35% e 28%, respectivamente, nos primeiros 50 dias de 2021. A perda de receita no momento em que Executivo e Legislativo tem dificuldades em equacionar um gasto extra estimado em R$ 30 bilhões, que seria o custo de quatro parcelas de R$ 250 do auxílio emergencial tem potencial para aumentar a inquietação com o aumento do rombo nas contas públicas do Brasil.
Esse efeito é potencializado pela incerteza provocada pelas declarações de Bolsonaro de que "algo vai acontecer na Petrobras nos próximos dias" e de que a "vai ter uma consequência" a afirmação do presidente da estatal, Roberto Castello Branco, sobre não ter "nada a ver com caminhoneiro". A variável mais sensível a esse conjunto é o câmbio. Se o real perder ainda mais valor ante o dólar por força das novas incertezas criadas por Bolsonaro, o efeito será o dramático: os combustíveis podem subir ainda mais, porque a Petrobras reajusta os preços com base no preço internacional do barril de petróleo e no câmbio.
No mercado, há ceticismo sobre o que é visto como "populismo fiscal" de Bolsonaro, como aponta André Perfeito, economista-chefe da corretora Necton.
– O presidente flerta com certo populismo fiscal e faz uma ameaça direta à Petrobras que forçará os investidores a alguma cautela. O episódio revela, mais uma vez, que há grande desconforto com a política de preços da estatal brasileira. Talvez Bolsonaro esteja apenas tentando criar um hedge contra eventuais reclamações e pressões políticas decorrentes da alta dos derivados do petróleo. Contudo, o mercado tende a ler com ceticismo.
No caso do gás de cozinha, diante do preço do botijão de 13 quilos já ter encostado em R$ 100 e ameaçar tocar nos R$ 200, o efeito de zerar PIS/Cofins é pífio: conforme dados da Agência Nacional do Petróleo (ANP) de dezembro passado, correspondia a R$ 2,18 para valor ao consumidor de R$ 74,75 à época. Para o valor de R$ 100, corresponderia a R$ 2,91.