No tenso pronunciamento feito na tarde de quinta-feira (7), o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, mencionou duas vezes uma hipótese até agora não cogitada sobre a vacinação contra a covid-19: a aplicação de apenas uma dose da vacina Oxford/AstraZeneca, em vez das duas previstas.
Na manhã desta sexta-feira (8), em entrevista à Rádio Gaúcha, João Gabbardo dos Reis, coordenador executivo do Centro de Contingência de Combate à Covid-19 no Estado de São Paulo voltou a fazer contas sobre a imunização obtida com apenas uma dose.
Ao apresentar um balanço das vacinas que o governo federal teria assegurado até agora, Pazuello afirmou que havia acordo para entrega de 210 milhões de doses da fórmula da Oxford/AstraZeneca, em acordo de produção com a Fiocruz:
– Senhores, a AstraZeneca é uma dose por pessoa, com 71%(de eficácia) para uma dose.
Em tese, estava se referindo ao número de doses em relação à população brasileira, mas em seguida usou outra frase que plantou a dúvida em definitivo:
– A segunda dose vai a 100% em qualquer caso, podendo tomar três, quatro meses depois, se ainda for necessária para o controle da pandemia (destaque da coluna).
Os dados de eficácia da vacina que prevê transferência de tecnologia para a Fiocruz, infelizmente, ainda não estão 100% confirmados depois da polêmica que se seguiu à primeira divulgação. Isso não impediu que a fórmula fosse aprovada pela agência de regulação do Reino Unido. Pazuello oficializou, na quinta-feira, o custo dessa opção para o Brasil: US$ 3,75, muito próximo do que era estimado extraoficialmente, o que deu à alternativa de Oxford o qualificativo de "vacina que custa o valor de um cappuccino".
A coluna já observou que, por suas características e custo, essa pode ser a alternativa mais importante para o Brasil. Mas se um dos objetivos de Pazuello era eliminar qualquer dúvida sobre o Plano Nacional de Imunização (PNI), como disse várias vezes, acusando a imprensa de não prestar atenção ao que ele diz, nesse caso encarregou-se de criar uma nova incerteza.
E para surpresa da coluna, na manhã desta sexta-feira (8), Gabbardo também fez projeções de eficácia da proteção à população baseado no efeito de apenas uma dose, neste caso da fórmula Sinovac/Butantan, que teve pedido de uso emergencial apresentado à Anvisa nesta sexta-feira (8):
– Se vacinar cem pessoas com uma dose, vai ter 60 pessoas imunizadas. O fato de não fazer a segunda dose não vai diminuir a eficácia da primeira. Se está com imunização de 60%, fica com isso, não vai a zero.
Se existe uma disputa entre o governo federal e o de São Paulo na corrida à vacinação, o que é até benéfico do ponto de vista pragmático, surgiu uma convergência. A coluna pede a palavra dos especialistas: por economia e eficiência, podemos ficar só com uma dose das vacinas que preveem duas?
Um acréscimo, quase um P.S.: a coluna ouviu uma fonte da área da saúde que preferiu não se identificar por não ter estudos aprofundados no assunto mas confirmou a tendência já em análise, no Reino Unido e na Alemanha, de priorizar a aplicação de apenas uma dose de vacina contra a covid-19 até alcançar um percentual em torno de 60% a 70% da população. Um dos motivos seria evitar uma terceira onda e evitar que a mutação com maior poder de contágio se espalhasse. Com isso, aumentaria o contingente da população vacinado, atingiria a chamada "imunidade de rebanho" e poderia, tecnicamente, sair da situação de pandemia.
Outro acréscimo, P.S.2: a coluna recebeu a recomendação de "ler a bula" (sim, existe) da vacina da AstraZeneca/Oxford. Lá, consta que o melhor intervalo até a aplicação da segunda dose de 0,5 ml é entre quatro e 12 semanas. A coluna aproveita para esclarecer que não defende (nem teria credencial para isso) a aplicação de dose única: apenas detectou um início de debate que pode evoluir. Ou não.