A coluna foi tão enfática ao listar os pontos positivos da vacina desenvolvida por Oxford e AstraZeneca que agora deve aos leitores detalhamento de uma desvantagem que cresceu nos dois últimos dias.
A falta de uma justificativa científica para o fato de que melhores resultados de eficácia em voluntários que receberam meia dose, em vez de uma completa, na primeira dose passou a levantar dúvidas sobre a credibilidade da imunização.
Do ponto de vista brasileiro, a melhor combinação de velocidade, preço e facilidade de logística se combinava à participação brasileira na produção e ao acordo fechado com o governo brasileiro para compra e distribuição. A alternativa com produção nacional, como se sabe, tropeça da oposição aberta do presidente Jair Bolsonaro.
O problema está no duplo resultado anunciado pelo consórcio. Um dos grupos teve eficácia de 62%, enquanto outro chegou a 90%. Nesse segmento, informou a AstraZeneca, os voluntários receberam meia dose, em vez de uma completa. Instada a explicar, a empresa admitiu que a administração parcial havia decorrido de um erro. Até aí, provocava certo desconforto, mas como muitas descobertas científicas se originaram em erros, só havia um fator intrigante.
Mas depois o programa do governo americano que financia o desenvolvimento de vacinas, chamado Operation Warp Speed, revelou que além de ter recebido meia dose, esse grupo era formado apenas por pessoas com idade abaixo de 55 anos, uma população com risco mais baixo de desenvolver sintomas mais graves de covid-19. Esse foi o maior problema: essa informação não foi revelada na segunda-feira (23), quando o consórcio informou os níveis de eficácia.
Como ocorre desde o início da corrida pela imunização, o mercado financeiro deu o sinal: as ações da AstraZeneca na Nasdaq saíram do pico de US$ 55,30 no dia do anúncio, para US$ 52,60 no fechamento de ontem. É uma queda de quase 5% em pouco tempo e na direção inversa à que seria esperada para uma empresa que pode ter a salvação do coronavírus. Para comparar, as ações das concorrentes subiram desde os anúncios: Pfizer subiu 11%, BioNtech saltou 14%, e Moderna avançou 11%.
Isso significa que uma das vacinas mais promissoras está condenada? É claro que não. Mas talvez não possa avançar na velocidade planejada até esclarecer em minúcias como foram obtidos os resultados animadores. Um dos obstáculos seria obter a autorização para uso emergencial pelo sistema de regulação nos Estados Unidos. A coluna espera que a ciência, não o mercado, tenha a resposta para esse desafio.