Não há distanciamento que suavize a série de agressões verbais disparada na terça-feira (11) pelo presidente Jair Bolsonaro. A "vitória" sobre a falha de uma vacina, a ofensiva menção a "maricas" e à preferência pela pólvora à saliva ainda ecoam e têm consequências.
Ao menos no primeiro caso, há uma discussão séria sobre possível crime de responsabilidade. Não seria o primeiro, provavelmente também não o último. Mas se a coleção de impropérios de Bolsonaro ainda não tem desdobramentos políticos práticos, acumula custos econômicos sob a forma de dissolução da imagem do Brasil.
A ultrajante capacidade de comemorar o fracasso de uma vacina que a grande maioria da humanidade espera com ansiedade desgastou mais o Brasil com seu maior parceiro comercial, a China. O laboratório chinês Sinovac Biotech evitou confronto, mas fez questão de reafirmar que confia na segurança de sua vacina experimental contra a covid-19 depois da suspensão pela Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa). É o segundo incidente envolvendo a CoronaVac, depois do cancelamento da compra anunciada pelo ministro da Saúde, Eduardo Pazuello.
O uso da expressão "maricas" como sinônimo de fraqueza contraria uma tendência crescente nas maiores empresas globais: abraçar a diversidade, que fortalece grandes corporações e governos civilizados ao redor do mundo. E no brasileiro também, a despeito de seu presidente. Pronunciada no mesmo discurso em que afirma que ser presidente do Brasil é "uma desgraça", a expressão se torna ainda mais ofensiva. Bolsonaro não tem ideia da resiliência e da força interior necessárias para ser "maricas" no país que ele governa.
A terceira incursão de Bolsonaro no absurdo no mesmo dia se transformou em piada e provocou comparações do presidente brasileiro com personagens folclóricos ou lamentáveis na comunidade internacional, como o iraniano Mahmud Ahmadinejad e o venezuelano Hugo Chávez, obcecados com o discurso antiamericano, ou o argentino Leopoldo Galtieri, que embarcou seu país em uma guerra insana contra o Reino Unido que fez naufragar a ditadura militar argentina.
Para além da risível ameaça bélica contra a maior potência militar do planeta, Bolsonaro mostra que não entendeu a situação do Brasil diante do novo governo democrata nos EUA:
— Assisti há pouco um grande candidato a chefia de Estado dizendo que se não apagar o fogo da Amazônia vai levantar barreiras comerciais contra o Brasil. E como é que nós podemos fazer frente a tudo isso? Apenas com a diplomacia não dá, né, Ernesto (Araújo, ministro das Relações Exteriores)? Quando acaba a saliva, tem que ter pólvora. Não precisa usar a pólvora, mas tem que saber que tem.
Um curto comentário no Twitter de Pedro Nery, que já dirigiu Instituto Fiscal Independente, portanto conhece bem o orçamento federal, coloca a intervenção em seu devido lugar: "Forças Armadas gastam com investimento três vezes menos do que com pensões vitalícias para as filhas e cônjuges".
Bolsonaro usa pólvora como saliva e dispara petardos verbais, mas não cumpre seu papel. O país inteiro aguarda, para depois da eleição municipal, sua decisão sobre o futuro das contas públicas do Brasil. Na segunda-feira (9), em entrevista à CNN, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que reagiu aos impropérios na terça-feira (10), advertiu sobre a consequência da estagnação das reformas:
— O Brasil vai explodir em janeiro se as matérias não forem votadas. O dólar vai a R$ 7, a taxa de juros de longo prazo vai subir para um país que no final do ano vai ter 100% da sua riqueza em dívida.
Se não fizer seu trabalho, em vez de entrar na fila dos personagens exóticos da História, Bolsonaro assume o risco de explosão. Como diz o ex-secretário da Fazenda Aod Cunha, também no Twitter, há três bombas armadas.