Se já parecia estranha a decisão da Anvisa de interromper a pesquisa com a CoronaVac sem dar explicações detalhadas, reportando apenas a ocorrência de um “evento grave”, a manifestação do presidente Jair Bolsonaro escancarou a prevalência do interesse político sobre a saúde pública. Só uma mente doentia é capaz de celebrar o tropeço de uma vacina que, se eficaz, pode salvar milhões de vidas. Bolsonaro celebrou — ou o fantasma que tem sua senha escreveu a resposta ao seguidor que o questionou sobre a vacina.
O presidente compartilhou a notícia sobre a interrupção dos testes pela Anvisa e comentou: “Morte, invalidez, anomalia. Esta é a vacina que o (governador de São Paulo João) Dória queria obrigar todos os paulistanos toma-la (sic). O Presidente disse que a vacina jamais poderia ser obrigatória. Mais uma que Jair Bolsonaro ganha”.
Ganha? Como pode alguém ganhar se uma das vacinas que estão em fase adiantada de testes se revelar ineficaz? Como pode alguém torcer contra uma vacina? Ou terá sido o filho Carlos Bolsonaro, detentor das senhas do pai, a pessoa que respondeu ao questionamento de Lucas Monerat da Silva, no Facebook? Lucas perguntou: “Bolsonaro, se a ciência disser que o Coronavac é seguro e vai imunizar a população, o Brasil também vai comprar e produzir a vacina?”
De onde o presidente tirou que a CoronaVac causa “morte, invalidez, anomalia”? Essa afirmação, feita sem provas, é gravíssima. Tentar desacreditar uma vacina que ainda está na fase de testes, sem prova de que cause o que afirmou, já seria criminoso por parte de um cidadão comum. Vindo do presidente de um país que já contabiliza mais de 162 mil mortes pela covid-19 é ainda mais grave e não pode passar em branco como se fosse mero destempero verbal.
Preocupado com a eleição de 2022, Bolsonaro trava uma guerra particular com Doria por protagonismo, como se o sucesso da vacina chinesa fosse mera questão eleitoral. Além de desumana, a comemoração é reveladora da visão estreita do homem que, em plena pandemia, transformou o Ministério da Saúde num apêndice dos seus delírios ideológicos.
Atualização das 13h15min: a informação mais recente é de que a morte do voluntário, motivo alegado pela Anvisa para interromper os testes, não foi efeito colateral da vacina, mas suicídio.