Na contramão dos principais líderes mundiais, que já na tarde de sábado (7) cumprimentaram Joe Biden e Kamala Harris pela vitória, o presidente Jair Bolsonaro chegou à noite de domingo (8) enredado na teia ideológica que o impede de reconhecer a derrota de Donald Trump.
O isolamento atesta a falta que faz um ministro das Relações Exteriores capaz de mostrar a Bolsonaro que ele não é o líder de uma facção, mas o presidente de um país que tem os Estados Unidos como segundo parceiro comercial. O primeiro é a China, com quem Bolsonaro, filhos e assessores como próprio chanceler Ernesto Araújo adoram comprar briga, imaginando ganhar pontos com Trump.
Na devoção sem limites a Trump, Bolsonaro mostra-se pequeno para o cargo que ocupa. Que tenha torcido pela reeleição do presidente agora derrotado, vá lá. Reforça a fama de pé frio, porque seus candidatos perderam também na Itália, na Argentina e na Bolívia. Juan Guaidó não conseguiu tomar o poder na Venezuela.
A afinidade ideológica e relação servil de Bolsonaro com Trump nada trouxe de positivo para o Brasil. Ao contrário, enquanto os Estados Unidos aplicavam sobretaxa no aço e em outros produtos que importam do Brasil, Bolsonaro comprou etanol que sobra por lá, sem levar em conta os interesses dos produtores brasileiros.
Bolsonaro considera-se íntimo de Trump, mas força a amizade. Como tiete diante de um ídolo, chegou a dizer “I love you” para o presidente americano quando se encontraram na assembleia-geral da ONU em 2019. Foi pela certeza de que era um velho amigo da família que tentou fazer do filho Eduardo embaixador do Brasil nos Estados Unidos. Recuou porque o Senado sinalizou que a indicação não passaria.
Passado o embate eleitoral, Bolsonaro terá de aceitar a derrota do amigo imaginário e pensar no Brasil. Pode continuar não gostando de Biden, mas precisa agir com maturidade na relação com o novo governo. Amigos, amigos, negócios à parte.
O embaixador Nestor Forster, um diplomata de carreira com preparo de sobra para defender os interesses brasileiros, está mais apto do que o chanceler para mostrar a Bolsonaro a importância de uma relação construtiva com o governo Biden. Se o presidente continuar rezando pela cartilha dos fanáticos que o cercam, o Brasil só tem a perder. Os ministros Paulo Guedes e Tereza Cristina, que têm juízo e visão de mundo, podem chamar o presidente à razão e mostrar que insistir na teoria trumpista de fraude nas eleições americanas é tiro no pé e o expõe ao ridículo aos olhos do planeta.