Pesquisa do Instituto Ethos mostrou que há 6,3% de negros (dos quais 5,7% pardos e 0,6% pretos) em níveis de gerência e 4,7% (4,2% pardos e 0,5% pretos) em postos executivos. Um estudo da consultoria McKinsey feito em diversos países, Brasil incluído, mostra que companhias com diversidade cultural e étnica tiveram desempenho financeiro 36% maior do que as sem esse tipo de política. Então, se não for por exigência ética, que seja por foco em resultado, mas a necessidade de incluir a maioria da população brasileira no universo corporativo se impõe. O jornalista e CEO da Revista Raça, Maurício Pestana, lançou no início deste mês o livro A Empresa Antirracista (Editora Agir) para refletir sobre a discriminação no mercado de trabalho e acelerar a disseminação de programas de ação afirmativa adotados por corporações globais. Noël Prioux, CEO do Carrefour no Brasil, foi um dos entrevistados do livro. Foi na loja da Avenida Plinio Brasil Milano, em Porto Alegre, que um cliente do Carrefour, João Alberto Freitas, foi espancado até a morte.
– Muitas empresas têm feito um trabalho sério sobre esse tema. Ainda não conseguem alcançar todos os níveis. Não adianta ter empresas antirracistas se a sociedade é racista – afirmou nesta entrevista à coluna.
Como surgiu o livro?
É uma série de entrevistas publicadas na Revista Raça ao longo de quase 10 anos com CEOs e altas lideranças empresariais que abordam a questão do racismo em suas respectivas empresas. Entre os assunto dos quais mais falo nos mais de 20 anos de atividade no movimento negro estão a questão do trabalho, da violência policial e da nossa ausência nos meios corporativos. A espinha dorsal da questão racial está no mercado de trabalho. Quando as pessoas não têm acesso a um emprego e a um salário decentes, não têm a estabilidade financeira que o trabalho dá. Isso é fundamental para que tenha cidadania, para que não seja discriminado. A educação, a habitação, a segurança dão cidadania. E todos estão ligados ao racismo. Quando a pessoa não trabalha, não tem salário, vai morar em locais que não dão direito à cidadania. A abordagem policial é uma em regiões de classe média e outra na periferia, onde se vive por uma série de condições. É por isso que dou muita ênfase ao mercado de trabalho. Tenho há muitos anos um trabalho de discussão e consultoria nessa área. É preciso investir no mercado de trabalho, com salário e educação, para amenizar o racismo. Não acaba, mas ameniza.
Oportunidades exclusivas para pessoas negras são parte desse esforço?
São importantes. Essa possibilidade surgiu também a partir da política de cotas raciais nas universidades. Sempre fui extremamente favorável. Se partimos de 2% dos bancos de universidade ocupados por negro para a maioria na rede pública, se hoje se discute a diversidade no mercado de trabalho, é por isso. Vários avanços ocorreram com a política de cotas.
A criação de vagas exclusivas deveria ser obrigatória?
Nada que é obrigatório dá muito certo. No Estado, sim, tem de ser obrigatório, porque o Estado tem uma dívida. A maior dívida do Estado e da sociedade no Brasil é com o cidadão. As empresas têm sua parcela de responsabilidade, mas a partir da expansão no setor público é possível replicar no setor privado. Mas cada empresa deveria buscar a sua diversidade, até porque dá lucro e faz bem para os negócios.
Algumas dessas iniciativas foram consideradas "racismo reverso". Isso existe?
É impossível haver racismo reverso. Só se pode exercer racismo quando se detém poder político e econômico. Os negros não têm esses poderes. Só posso ser racista se eu tiver uma empresa e disser 'aqui branco não pode trabalhar'. Há poucos negros empresários que possam se dar ao luxo de fazer isso. O negro não tem poder e meios para demonstrar racismo.
O que as empresas podem fazer para, de fato, se tornarem antirracistas?
É importante que estejam atentas. Que trabalhem não só internamente, com seus funcionários, mas que estejam plugadas à comunidade no país em que 56% da população é negra.